Psicologia ameniza impacto do diagnóstico do câncer de mama
O diagnóstico não deve ser percebido como o final da linha, mas como um início de um novo ciclo.
Um levantamento realizado até o mês agosto pelo Hospital Ophir Loyola ( HOL) apontou que das 1900 mulheres em tratamento contra o câncer na instituição, 542 têm câncer de mama. O diagnóstico traz impacto psicológico acentuado, é recebido com espanto e tensão, portanto requer um acompanhamento biopsicossocial durante as diferentes fases do processo saúde-doença. Além dos prejuízos à condição física, a doença afeta a vida profissional, social, a autoestima e a autoimagem por acometer os seios, parte do corpo que incide sobre o sentir-se mulher, a sensualidade, a sexualidade e a maternidade.
Uma paciente do município do Acará tentou fugir da clínica de internação após ser informada pelo médico sobre a necessidade de esvaziar a axila para dar seguimento à terapia. Ao ser abordada, ela contou que o marido a abandonou para não contrair o câncer, situação essa que não condiz com a realidade, o câncer não é contagioso. Para ela, a única forma de obter o sustento dos três filhos seria continuar exercendo a profissão de catadora de açaí.
A cirurgia deixaria algumas limitações e a impediria de subir nas palmeiras nativas da região amazônica. Após a intervenção da profissional de psicologia, a paciente foi orientada sobre a importância de seguir com o planejamento terapêutico e a buscar outra função na cooperativa de catadores. Hoje é artesã, aumentou a renda familiar com os produtos feitos a partir do caroço do fruto do açaizeiro e, após seis anos, recebeu a alta do tratamento.
Esse é apenas um dos aspectos acompanhados pela psicóloga Roberta Santos no Centro de Alta Complexidade de Oncologia do HOL, em Belém. Ela busca ressignificar a vida de mulheres acometidas por neoplasia maligna mamária, tipo de câncer mais frequente na população feminina, depois do câncer de pele não melanoma. Anualmente, o câncer de mama responde, por cerca de 28% dos casos novos de câncer no sexo feminino, no Brasil e no mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). No período de janeiro até agosto deste ano, o Ophir Loyola recebeu 321 casos novos.
Durante uma consulta realizada pelo Programa Família Saudável, um nódulo foi identificado na mama esquerda da balconista Anny Rego. Logo foi encaminhada à Casa da Mulher e após uma semana o resultado: câncer. “Não tive chão, fiquei sem palavras, a gente acredita logo que vai morrer”, relatou.
Anny Rego foi diagnosticada com câncer e desde então frequenta as consultas psicológicas para trabalhar a retomada da autoestima.
Hoje com 34 anos, Anny compareceu a mais uma consulta psicológica ambulatorial, que acredita ser fundamental para enfrentar momentos adversos com a retirada da mama e de baixa autoestima. “É uma situação inexplicável, sempre fui vaidosa e olhar no espelho e ver que está faltando uma parte importante de mim, não é nada fácil. Às vezes olho aquelas mulheres exuberantes, aqueles seios volumosos... Já terminei a quimioterapia, darei início à radioterapia para então voltar ao médico e fazer a reconstrução mamária”, disse.
De 01 de janeiro até o último dia 15 de outubro, 646 casos novos de câncer de mama foram registrados no Pará, segundo a Secretaria de Estado de Saúde Pública. A doença é relativamente rara antes dos 35 anos, acima desta idade a incidência cresce progressivamente, principalmente após os 50 anos. Porém, segundo Roberta Santos, no Ophir Loyola, tem sido cada vez mais comum a presença de paciente na faixa de 30 a 45 anos, apesar de não ser a maioria.
“O diagnóstico nessa faixa etária tem um impacto traumático maior. É uma fase em que, geralmente, estão em busca de uma união, iniciando a vida familiar, a procriação. Isso vai afetar muito mais as questões sexuais, atrativas e de autoestima da paciente em função da mutilação ou da provável mutilação. Então atribuímos um novo significado a essa mama, que consiste em olhar qual o papel daquela mama no corpo e refletir sobre a vida e o viver”, informou a psicóloga.
As campanhas sobre a importância do autoexame e a intensificação das políticas de rastreamento, ajudam a diagnosticar de forma mais precoce. Segundo a Sespa, entre janeiro e outubro deste ano, houve um aumento de 3,17% na quantidade de mamografias realizadas no estado em comparação ao mesmo período do ano passado. Nem todas as pacientes passam pela mastectomia radical (retirada total da mama).
Roberta Santos explica que o diagnóstico não deve ser percebido como o final da linha, mas como um início de um novo ciclo. Segundo ela, é preciso trabalhar o que a mama vai representar e pesar diante de todos os objetivos de vida de cada paciente. A partir desse momento, é realizada uma ressignificação, método utilizado em neurolinguística para fazer com que pessoas possam atribuir novo significado a acontecimentos através da mudança de sua visão de mundo, que ocasiona reflexo além do diagnóstico, do tratamento e do cuidado da saúde. Isso é necessário, pois a mulheres vivem muito a realidade hospitalar, a realidade da doença.
“Busca-se ir além, queremos que a abordagem reflita na vida social, ou seja, no psicossocial dessa paciente, seja na família, no trabalho ou nas redes em que ela se envolver como os diversos grupos de apoio existentes em Belém e nos relacionamentos amorosos. Muitas pacientes são abandonadas por uma questão de ignorância do parceiro ou da parceira, há um conflito diante da possibilidade de mastectomia e da aparência. Elas perdem o cabelo, podem ficar um pouco mais emagrecidas ou um pouco mais inchadas, depende do organismo de cada uma”, enfatizou a especialista.
Outro fator importante é a sexualidade, a mama tem muitos significados para a mulher que vão além da identificação feminina e da maternidade. Influi diretamente na sexualidade e sensualidade, dependendo do tamanho, como a mulher se vê, e a possibilidade de usar um belo decote, de sentir desejo e ter pontos libidinosos que são perdidos com a retirada do seio. A situação afeta principalmente as mais jovens.
Ainda segundo Roberta Santos, as medicações administradas para fazer o bloqueio de hormônios após o processo cirúrgico, induz a mulher à menopausa precoce e, consequentemente, altera a libido e o humor. Ela afirma que o acompanhamento psicológico não foca só na perda da mama, já que algumas não precisam fazer a cirurgia, mas têm o comportamento totalmente modificado pelos medicamentos.
O suporte atua também nesse sentido, desde o diagnóstico até a paciente estar num equilíbrio emocional. Essa assistência é fundamental para ajudar no enfrentamento do câncer e minimizar efeitos da nova realidade imposta pela enfermidade. “A mulher que passa pela menopausa, independente do diagnostico oncológico ou não, sofre e quem convive sofre também. Existe uma vida após o câncer, e ela tem que entender isso. Por isso, atendo em família, o casal, e a mulher acaba ganhando muita força, até mesmo para sair de relações abusivas”, enfatizou a psicóloga.