Classes Hospitalares garantem a pacientes em tratamento a continuidade dos estudos
“Nunca pensei na minha vida que iria receber meu diploma aos 57 anos, depois de ter parado de estudar aos 12. E mais ainda, aqui na capital, sendo eu uma pessoa que sempre viveu no interior", reflete Maria de Nazaré de Souza, aluna da classe hospitalar implantada na Santa Casa de Misericórdia do Pará. Vítima de escalpelamento aos 33 anos, o tratamento só chegou para ela muito tempo depois, quando uma conhecida da família passou pelo mesmo drama e foi informada que havia um tratamento especializado e gratuito oferecido na capital.
Moradora de Santarém, no Baixo Amazonas, ela recebeu os cuidados iniciais da mãe, em casa mesmo, e ao tomar conhecimento do serviço da Santa Casa mudou-se para Belém onde passou por várias cirurgias. O tratamento longo a fez pensar em aproveitar o tempo para retomar os estudos com o apoio da classe hospitalar implantada no Espaço Acolher. "Tinha parado na quinta série e decidi que era hora de voltar. Hoje consegui concluir o Ensino Fundamental e meu sonho é entrar na faculdade”.
O Espaço Acolher, da Santa Casa de Misericórdia, é referência no atendimento de vítimas de escalpelamento. “Eu pensei muitas vezes em desistir, fiz cirurgias em 2012, 2013, e durante a recuperação a equipe médica conversava muito comigo sobre a possibilidade de voltar a estudar. Eu sempre quis muito, mas era calada, tímida, aqui é que aprendi a me soltar mais. Foi então que eu decidi aceitar esse desafio”, relata.
Aprender, segundo Nazaré, era um desejo antigo, mas a maior descoberta ainda estaria por chegar. Nessa época a Santa Casa ganhou um infocentro, e Nazaré, que nunca havia chegado perto de um computador, viu diante de si uma janela para inúmeras possibilidades. "Tinha muito medo daquela máquina, dizia que eu nunca ia mexer em uma. Mas me ensinaram e isso abriu uma janela para mim. Deu ainda mais vontade de estudar”, relembra.
Somente no Espaço Acolher são atendidos, em média, 50 alunos da classe hospitalar por mês. O serviço garante aos pacientes que precisam se submeter a tratamento por longos períodos a continuidade dos estudos. “É uma satisfação para gente poder ensinar essas pessoas e ajudá-las a retomar suas vidas. Aqui a maioria da classe é de ribeirinhos, que no dia a dia das comunidades enfrentam as dificuldades geográficas. Atendemos crianças de 5 e 6 anos, muitas são alfabetizadas com a gente. E há também muitos adultos que depois de anos, já durante o tratamento, resolvem voltar a estudar”, explica a pedagoga Denise Mota, coordenadora da Classe Hospitalar da Seduc na Santa Casa.
O trabalho também engloba o atendimento psicológico. “É preciso ter compreensão da dimensão desses casos. A gente vai conversando, conhecendo cada um para saber os seus anseios, ajudando-os também a se reconhecerem e alcançarem o que querem. Para eles, o significado dessas conquistas sociais é algo que não dá nem para precisar”, comenta Jureuda Guerra, psicóloga da Santa Casa.
A Secretaria de Educação Pública do Estado (Seduc) gerencia 10 espaços com classes hospitalares, incluindo vários hospitais e atendimentos domiciliares. Mas o projeto pioneiro começou pelo Hospital Ophir Loyola, em 2003, onde atualmente são atendidos 50 alunos por mês. "Prestamos atendimento pedagógico para pacientes que estão aguardando cirurgias ou fazendo quimioterapia, hemodiálise. A maioria vem do interior e na medida em que percebemos que eles vão precisar dar continuidade aos estudos procuramos informá-los dessa possibilidade. E eles não estudam somente durante o tempo da internação, o acompanhamento prossegue durante todo o tratamento. É uma aula normal, com avaliações feitas por profissionais da área e tudo”, conta a pedagoga Zoé Conceição, coordenadora da classe hospitalar no HOL.
O pequeno Jerllyson de Paulo tem 10 anos e assim como Nazaré, também vem aprendendo a deixar a timidez de lado nas classes. “Aprendi a ler e a fazer mais um bocado de coisas”, conta. Paulo Henrique Vieira, de 7 anos, conseguiu manter o vínculo em um período importante do aprendizado. “Eu estava quase aprendendo a ler, quando precisei parar os estudos e vir pra cá. Mas aqui eu consegui retomar o que estava vendo na escola”, diz.
Para Zoé Conceição, um dos maiores ganhos desses pacientes é, sem dúvida, a elevação da autoestima. “Elas não se sentem penalizados pela vida, pois percebem que há quem olhe por eles em um momento tão delicado e fundamental, e nisso encontram forças para prosseguir, exatamente como inspiram as nossas classes”, finaliza.
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