Saberes femininos e sustentabilidade marcam debates do segundo dia da 28ª Feira Pan-Amazônica do Livro e das Multivozes
O público acompanhou atentamente os relatos, muitos deles permeados de emoção e de reflexões sobre a urgência de fortalecer a voz das mulheres na defesa da Amazônia
No domingo (17), a 28ª Feira Pan-Amazônica do Livro e das Multivozes deu destaque às Vozes do Clima, em uma programação especialmente voltada para refletir sobre os desafios ambientais e sociais da Amazônia diante da proximidade da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 30, que será realizada em Belém, em 2025. Na Arena Multivozes, três rodas de conversa atraíram grande público durante a tarde: Clima, Cultura e Memória Popular, Racismo Ambiental e Mulheres, Saberes e Sustentabilidade. Esta última, realizada às 17h30, reuniu a Cacica Kátia Silene Akrãtikatêjê e a pesquisadora Auda Piani, em um diálogo mediado por Ayra Amana.
A roda de conversa “Mulheres, Saberes e Sustentabilidade” foi marcada por relatos pessoais, experiências de luta e reflexões sobre a relação entre tradição, identidade e preservação ambiental. Kátia Silene, primeira mulher a liderar a aldeia Akrãtikatêjê, destacou como sua comunidade conseguiu aliar a produção sustentável de castanhas, frutas e pescado à conservação da floresta, reforçando a importância de manter o legado indígena diante das ameaças externas.
“Aprendi com meu pai, o cacique Payaré, que é possível produzir sem destruir. A floresta é nossa vida, nossa casa e também nosso trabalho. Hoje, o que fazemos é garantir que as novas gerações entendam isso e deem continuidade”, afirmou a cacica, que recentemente recebeu do IICA o prêmio “A Alma da Ruralidade” por sua liderança em defesa do desenvolvimento sustentável e da conservação.
Já a pesquisadora e produtora cultural Auda Piani compartilhou sua experiência de mais de duas décadas de pesquisas sobre os saberes tradicionais, especialmente relacionados à culinária amazônica. Ela apresentou reflexões que inspiraram seu documentário “Cozinhando no Calor de Belém, antes da chuva”, onde acompanha mulheres cozinheiras da capital paraense em seu cotidiano. “A comida conta histórias, fala de ancestralidade, de resistência e também de adaptação. Os saberes culinários são parte da sustentabilidade cultural, porque nos conectam ao passado e nos ajudam a enfrentar as mudanças atuais”, ressaltou.

Aprendizagem - O público acompanhou atentamente os relatos, muitos deles permeados de emoção e de reflexões sobre a urgência de fortalecer a voz das mulheres na defesa da Amazônia. Para a professora Patrícia Passos, que assistiu ao debate ao lado da filha Iza, a experiência foi de aprendizado coletivo. “É muito importante falar de ancestralidade e da questão climática, que é urgente. Para minha filha, é também um resgate da história da família, que tem raízes quilombolas. Esses momentos ajudam a formar consciência desde cedo”, disse.
A assistente social Isabelle Feio também destacou a relevância da programação em tempos de preparação para a COP 30. “É fundamental que esses debates estejam acontecendo e que sejam acessíveis a todos. Estamos falando de alimentação, de território, de sustentabilidade e de identidade. E ver diferentes gerações, como eu e minha avó, acompanhando a feira juntas, mostra que o conhecimento é coletivo e precisa ser partilhado”, afirmou.
Meio Ambiente - O ciclo de debates da tarde começou às 15h, com a roda de conversa Clima, Cultura e Memória Popular, mediada por Ruth Ferreira, e seguiu às 16h30 com o tema Racismo Ambiental, que reuniu Edvânia Santos Alves e Jacqueline Guimarães, sob mediação de Mônica Conrado. Em ambos os encontros, as discussões enfatizaram os impactos das mudanças climáticas e das desigualdades sociais sobre comunidades tradicionais, quilombolas e ribeirinhas.
À noite, a programação seguiu com o bate-papo entre as jornalistas Cristina Serra e Roberta Sodré. Cristina, autora de obras que abordam desastres ambientais como Mariana e Maceió, ressaltou a importância de discutir o tema em Belém, como sede da COP 30. “Minha literatura é engajada, quase uma literatura de guerrilha. O meio ambiente e a política são indissociáveis, e a COP nos coloca diante da necessidade de refletir sobre as decisões que impactam diretamente a vida das pessoas”, disse.

Cristina disse, ainda, que sua atuação nas redes sociais é possível apresentar seus livros ao público, que os adquire e lhe dão um retorno valioso. “Recebo mensagens de leitores expressando a importância do meu trabalho. Em um país como o Brasil, acredito que quem escreve deve assumir esse compromisso. Um compromisso consigo mesmo, com a consciência e integridade como cidadão. Um compromisso com o público e, sobretudo, um compromisso político com o Brasil, com a crença de que o país se desenvolve através da educação, da cultura e da leitura”, complementou.
Sobre a Feira - A 28ª Feira Pan-Amazônica do Livro e das Multivozes segue até o próximo dia 22, no Hangar Convenções e Feiras da Amazônia, em Belém. Este ano, o evento reúne mais de 120 empresas do setor editorial, além de uma ampla programação cultural que valoriza a pluralidade de vozes da região. No domingo dedicado às Vozes do Clima, ficou evidente que o protagonismo das mulheres, das comunidades tradicionais e dos saberes ancestrais tem papel central no debate sobre o futuro da Amazônia.