Educação é chance de recomeço para egressos
Dinair Santos tem 57 anos. Até bem pouco tempo, ela se envergonhava por não saber responder às perguntas dos quatro netos sobre as lições que os pequenos levavam para casa. A avó cumpriu pena durante três anos, por envolvimento com drogas. Hoje ela faz parte dos 66 funcionários da Fábrica Esperança, que dá oportunidade de trabalho aos egressos do sistema penitenciário, matriculados na Educação de Jovens e Adultos (EJA).
O sistema de educação na Fábrica Esperança começou em junho deste ano. É uma extensão de convênio entre a Superintendência do Sistema Penal (Susipe) e a Secretaria de Estado de Educação (Seduc). A EJA já é oferecida nos centros de recuperação do Estado, e este ano se estendeu até os egressos.
Dinair aproveita quatro das oito horas diárias de trabalho na fábrica para se dedicar aos estudos. Ela se empolgou tanto com a oportunidade de voltar a estudar que, quando volta para casa, não se contenta apenas com a lição de casa e faz hora extra em cima do livro. Mesmo com pouco tempo de aulas, ela já comemora. “Hoje consigo responder o que os meus netos me perguntam, e ainda estudo junto com eles”, diz.
Oportunidade – Dos 262 egressos dos centros de recuperação do governo do Estado que trabalham na Fábrica Esperança, 25% estudam regularmente com a EJA. Dos 20 aos 70 anos, eles se distribuem em quatro turmas, entre ensino fundamental e médio. Os alunos mais avançados se preparam para fazer o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) específico, cuja prova será em novembro, também para os presos em regime fechado. Pela primeira vez, os egressos da Fábrica Esperança vão fazer o Enem pela Susipe.
“Nosso maior desafio é sensibilizar os egressos para a importância da educação. Fazer com que eles tenham vontade de voltar a estudar, principalmente os mais velhos”, conta a coordenadora do EJA na Fábrica Esperança, Roseane Barbosa.
Roseane, porém, nunca teve trabalho de chamar Kellison Pantaleão, 44 anos, para as aulas. Ele cumpriu pena durante cinco anos por assalto e passou a infância pulando o muro da escola para fazer bicos na rua e ajudar no sustento da família. Hoje, Kellison trabalha como auxiliar de serviços gerais na Fábrica Esperança, e a melhor hora do dia é quando ele entra na sala com o “kit EJA”, que contém livro, caderno, lápis, borracha, lápis de cor, régua e apontador, para aprender português, matemática, ciências, estudos sociais e artes.
“Antes, eu só sabia passar troco, trabalhava com dinheiro ao vivo e a cores, agora estou aprendendo a fazer contas no papel, é muito bom!” diz Kellison, que enternece a coordenadora ao relatar: “Nunca faltei nenhuma aula, nunca tenho preguiça. Nunca soube nada de estudo e aqui aprendo”, afirma o egresso, cuja matéria favorita é matemática.
Dedicação – O professor Telemaco Junior entende muito bem a empolgação de Kellison com as contas. “Eles dominam a operação dos cálculos somente mentalmente, mas a sistematização, não. Nosso desafio é ensiná-los a fazer isso”, atesta. Entre os presos em sistema fechado, 60 alunos da EJA, em quatro centros de recuperação, têm a chance de reduzir as penas por meio do projeto Leitura que Liberta.
Além dos egressos e presos, a Educação de Jovens e Adultos no Pará proporciona chances de recomeçar os estudos e concluir o ensino médio para mais de 90 mil alunos, em cerca de 800 escolas públicas no Estado. Em Belém, Abaetetuba, Marabá, Santarém e Xinguara, a EJA oferece centros de atendimento, que assistência individualizada aos alunos e professores disponíveis nos três turnos.Nesses centros, cerca de 2,8 mil estudantes têm a possibilidade de fazer exames nos quais eles foram reprovados nas escolas.
“Temos uma banca permanente nesses centros, que facilitam o acesso do aluno à série subseqüente”, diz a coordenadora da EJA, Núlcia Azevedo. O atendimento específico em Belém funciona no Centro Luis Otávio Pereira, que fica atrás do Colégio Augusto Meira. O aluno que estiver interessado em buscar orientação para facilitar os estudos na idade adulta, nos municípios que têm um centro, pode acessar o site www.seduc.pa.gov.br e saber onde funciona o atendimento.
A Educação de Jovens e Adultos no Pará também funciona com projetos como o Saberes. Com o apoio do governo federal, a Seduc desenvolve essa ação em 50 municípios e 250 localidades do Estado, desde julho de 2014. O projeto Saberes EJA leva a educação até comunidades quilombolas, aldeias indígenas, moradores do campo e pessoas privadas de liberdade.
É o Governo do Estado ampliando os horizontes do acesso à educação e reforçando a esperança de jovens e adultos em um recomeço. É o caso de Andre Lopes, 33 anos, que sonha em fazer o Enem e entrar na faculdade de engenharia mecânica para virar mecânico de carros e motos, e Antonio Rodrigues, 44 anos, que não desgrudou os olhos do livro de estudo, nem enquanto conversava com a equipe de reportagem da Agência Pará. Tudo pelo sonho de virar advogado. Os dois cumpriram pena por assalto e envolvimento com drogas e agora têm a chance de fazer tudo diferente.