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Na Suécia, pesquisadores indígenas identificam peças nativas levadas há 100 anos

Indígenas desembarcaram na Suécia junto com representantes do 'Energia Limpa, Vida Sustentável, apoiado pela Fapespa

Por Manuela Oliveira (FAPESPA)
19/03/2025 12h44

No início deste mês de março, pesquisadores indígenas das etnias Palikur e Galibi Marworno desembarcaram na Suécia, no norte do continente europeu, para realizar a identificação de peças enviadas para Europa, pelo etnólogo Curt Nimuendajú, no ano de 1925.

Os pesquisadores indígenas viajaram acompanhados de representantes dos projetos “Digital Repatriation”, financiado pelo Swedish Research Council (Conselho Científico Sueco) e “Energia Limpa, Vida Sustentável, fomentado pela Fapespa”. 

A Fapespa incentiva o “Energia Limpa, Vida Sustentável, apoiado pela Fapespa” juntamente com as fundações de Amparo à Pesquisa do Amapá (Fapeap) e de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp), através do Edital Amazônia +10, lançado na Chamada 001/2022. 

De acordo com a Fapespa, o trabalho de inventário das peças depositadas onde hoje é o Museu da Cultura Mundial, Gotemburgo, Suécia, foi iniciado em 6 de março, com previsão de ser finalizado em três semanas. Além da identificação das peças, os pesquisadores também realizaram o registro audiovisual para futuro documentário etnográfico e outras práticas de museu digital.

Segundo Lilian Rebellato, coordenadora dos trabalhos de repatriação digital e professora do Programa de Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), um dos objetivos do projeto é criar uma plataforma digital, com o registro digital desses objetos. “Além da digitalização de objetos, o projeto prevê também a digitalização de fotos, documentos e mapas da época, revelando a realidade dos grupos indígenas no início do século XX, e possibilitando a comparação com sua realidade atualmente recolhidos”, declarou.

Ainda de acordo com Rebelatto, durante as três semanas na Suécia, o grupo indígena vai identificar, dar significação e mostrar a importância do uso desses artefatos provenientes de suas respectivas etnias. Lilian disse que uma das ações será a criação de materiais didáticos com esses artefatos, documentos e fotos digitalizados pelos pesquisadores indígenas, que são professores, artesãos e artistas.

Bancos Sagrados – Natã dos Santos (Palikur), 51 anos, por exemplo, confecciona bancos sagrados utilizados em rituais. Essa técnica, herdada de gerações antepassadas carregam um simbolismo muito grande e não podem ser expostos de qualquer forma. Natã é bisneto do Pajé (Ihamwi em Palikur e Piai em Galibi Marworno), de quem o Curt Nimuendajú comprou e estabeleceu contato, em 1925. 

“O pai do Natã chamado Wet, é considerado o último Pajé, falecido em 2018, Natã é herdeiro da técnica dos bancos, que possuem todo um significado em um ritual que se chama KaiKá ou Turé. Natã se lembra do tempo em que o Pajé se sentava para conversar, agradecer aos espíritos que ajudaram nas curas das pessoas. Então nós vamos fazer esse reencontro e estamos indo com a equipe de filmagens para fazer um documentário”, explica a coordenadora.

Depois do falecimento do seu pai, Natã Palikur conta que passou a fazer este trabalho para não perder a tradição da sua cultura. De acordo com ele, este banco sagrado não é feito para sentar-se. “Por exemplo, quando fazemos o banco, ele não serve para sentar-se em cima, ele serve para quando tiver uma festa, por exemplo, uma Festa de Turé, nós vamos usar este banco porque ele é muito respeitado. Essa festa da nossa cultura acontece quando a lua estiver grande, nova, aí nós fazemos uma dança”, explica.

Além do artesão dos Bancos Sagrados Palikur, também estão na equipe que foi para a Suécia, os professores indígenas Euvécio Labonte dos Santos (Palikur), 40 anos, e o Milton Galibi Nunes (Galibi Marworno), 39 anos. Eles farão a confecção de materiais didáticos para as escolas das aldeias.

“O objetivo é para que também se tenha uma continuidade desse conhecimento para as próximas gerações das etnias. Além disso, também temos a documentação das cartas que estão sendo traduzidas do alemão antigo, que está dando bastante trabalho porque os alemães hoje em dia não conseguem ler o alemão que Curt Nimuendajú escreveu porque teve uma reforma muito grande dessa língua na segunda década do século passado. Então, temos também essa área de pesquisa que está alimentando as plataformas de inteligência artificial para a tradução desse alemão”, relata a professora.

Resgate cultural - Para o Euvécio Palikur, a experiência de encontrar o patrimônio da sua cultura é perceber a cultura dos seus antepassados. “Assim, olha eu, a minha intenção, é de chegar lá, é trazer, avistar mesmo, com os meus próprios olhos, se realmente é a cultura dos nossos antepassados. Aí, quando eu chegar lá, eu tenho a intenção de fazer registro, registrar, para poder trazer de volta para o nosso povo. E fazer materiais para os alunos, para ensinar isto: a cultura dos nossos antepassados.”, deseja o professor indígena Palikur.

Para outro professor indígena, do povo Galibi-Marworno, Milton Galibi, que também é artista contemporâneo, a oportunidade é uma forma de resgatar a tradição. “Meu foco principal está relacionado a nossa dança tradicional que é o Turé. Muitos objetos que estão na Suécia, são praticamente desconhecidos pelos nossos jovens, hoje, na comunidade, e eu estou indo procurar saber o significado das marcas, do próprio formato dos artefatos, dos materiais os quais foram produzidos, para levar essa realidade para o meu povo novamente, para tentar trabalhar o resgate cultural em si”, disse. 

Além disso, Milton avalia a conexão dos dois projetos – Repatriation Digital e Energia Limpa, como uma experiência que conecta acesso à tecnologia e ao conhecimento dos antepassados. 

“Além da tecnologia da internet, está trazendo também essa proximidade muito grande dentro da comunidade. É uma forma da nossa Juventude está conhecendo o mundo de uma maneira muito, muito complexa, para mim, essa viagem traz um proveito muito grande em relação ao conhecimento cultural mesmo porque muitas pessoas pensam que nós conhecemos totalmente a nossa cultura, e não é assim. Nesse processo de Globalização e tudo mais, a própria tecnologia mesmo, acaba nos desgarrando mesmo da nossa cultura, da tradição. Não posso dizer que é uma cultura que se perdeu, pois está lá, no Museu, mas é uma forma de abraçar essa cultura novamente, de registar essa memória e é uma forma de resistência também”, acredita Milton Galibi.

Com informações de Ascom-Ufopa, jornalista Talita Baena.