Governo regulariza terra quilombola e beneficia 75 famílias em Cametá
Dona Maria da Conceição Prudente Freitas, 38 anos, e mais 74 famílias da comunidade quilombola Ilha Grande de Cupijó, em Cametá, no Baixo Tocantins, viram o sonho de seus antepassados finalmente se tornar realidade. Nesta quinta-feira (26), eles foram beneficiados com o título coletivo de propriedade expedido pelo Instituto de Terras do Pará (Iterpa). A entrega foi conduzida pela secretária de Municípios Sustentáveis, Izabela Jatene, e contou com a participação de representantes de pastas estaduais, comunidades e autoridades municipais.
"Esse documento representa para nós uma grande vitória. É muito bom vermos, depois de anos de luta, a nossa terra ser reconhecida. Agora teremos mais segurança na nossa produção e mais facilidade no acesso a benefícios", afirmou Maria Conceição, 38 anos, que é filha de quilombolas e mora há 28 anos na localidade.
Seu esposo, Antônio Maria Cardoso Marques, também comemora a titulação e destaca a importância da terra não como uma mercadoria, mas como instrumento fundamental para a sobrevivência de todos. "Produzimos macaxeira, farinha, feijão, arroz, entre outros, e comercializamos nossa pequena produção na cidade. Mas sempre temos a preocupação de preservar a natureza, pois é dela que tiramos o nosso sustento", ressaltou.
Com a titulação, o Governo do Estado reconhece o direito de famílias que há décadas já ocupam determinadas áreas e trabalham cotidianamente nelas, mas por não terem a documentação, não podiam ter acesso a crédito, financiamentos e outros benefícios importantes para o seu desenvolvimento.
"A cada título coletivo que o governo do Estado finaliza e entrega, são anos de luta reconhecidos pela integração das secretarias e pelo respeito à dignidade do povo quilombola e, sobretudo, de cumprimento da legislação", afirmou a secretária Izabela Jatene.
História e superação - Entre os que carregam no sangue e na cultura o nome de seus ancestrais está o senhor João Benedito Lopes da Cruz, 57 anos, presidente da Associação de Moradores e filho do fundador da comunidade. Segundo ele, em 1930, seu pai, já falecido, João Vera Cruz, veio para Cametá após fugir dos engenhos de açúcar do Marajó, dando início a comunidade de Cupijó.
"Dedico essa conquista ao meu pai. Onde ele estiver, com certeza estará comemorando. Já passamos por muitos processos históricos de humilhação e escravismo e foram muitos os momentos de tensão para conseguirmos nos mantermos nesta terra, inclusive enfrentado conflitos. Quando criança, presenciei muitos deles. Mas fomos persistentes. Não sabíamos morar na cidade, nosso caminho era o da roça. Hoje temos muito o que festejar e agradecer ao governo do Estado", afirmou o senhor João da Cruz.
As mudanças foram acontecendo gradativamente e com muito esforço de todos. "Depois que criamos a associação, em 2009, nos declaramos para o Estado na esperança de melhorias, e aos poucos começamos a evoluir. Conseguimos abrir um ramal, energia elétrica e agora a tão sonhada propriedade de terra. São ganhos importantes para todos", destacou João Benedito da Cruz.
O documento é a porta de entrada para diversos benefícios. Segundo a secretária Izabela Jatene, o próximo passo é integrar as agendas entre as secretarias de governo, prefeitura e comunidade para a garantia dos direitos do grupo. "Nosso papel é criar uma agenda integrada e integradora para que a partir deste momento as políticas públicas possam chegar com mais força", explicou.
A cerimônia contou com a presença do presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), Erivaldo Oliveira da Silva. Na oportunidade, ele anunciou o estreitamento de relações com o governo do Estado. "Essa parceria com o governo do Pará é de fundamental importância, porque é um governo que tem vontade para fazer as grandes mudanças, dando a essas comunidades o que é de direito", afirmou.
Esta é a primeira vez que o representante do governo federal visita uma comunidade quilombola no Estado e conhece um pouco do modo de vida e da história das pessoas que lá residem, como a de Dona Maria Luiza da Silva, moradora mais velha da localidade, que esbanja vitalidade do alto dos seus 115 anos.
"Hoje fiquei muito emocionado ao conhecer a história desse povo. Saio daqui com a alma lavada e essa parceria sedimentada. Tenho certeza que dessa visita ao Estado sairão grandes propostas. Temos onze ministérios com recorte racial, então vamos trazer eles para fazer políticas públicas para essas comunidades quilombolas", afirmou Erivaldo Silva.
Em sua fala, ele elogiou o compromisso do governo estadual com essas populações tradicionais. "O Estado do Pará está bem à frente no apoio institucional e isso a gente não vê em muitos Estados", ressaltou Erivaldo Silva. A intenção é trazer uma representação da Fundação Palmares para o Estado para fortalecer o trabalho com as comunidades locais.
"A partir do momento que temos a Fundação conosco, passamos a fortalecer ainda mais os certificados que a Fundação entrega e, com isso, fazemos com que as políticas públicas se tornem mais rápidas. Nós passamos a nos tornar parceiros em um processo onde o ente estadual e federal trabalham juntos com a população local para o fortalecimento municipal", declarou a secretária de Municípios Sustentáveis, Izabela Jatene.
O Pará foi um dos primeiros Estados a reconhecer territórios quilombolas e o que mais titulou no Brasil. Segundo o presidente do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), Daniel Lopes, os dados são positivos. "Tínhamos 58 comunidades tituladas e desse número, 50 foram expedidos pelo Iterpa e apenas oito pelo governo federal. Hoje, com as últimas titulações, chegamos a 60", pontuou.
Ainda de acordo com o titular do Iterpa, só nesta atual gestão já foram emitidos quatro títulos que envolvem uma área de cerca de 5 mil hectares que beneficiaram mais de 300 famílias. "Nosso compromisso é até o final de 2018 titular mais seis, para completarmos, no mínimo, dez comunidades. Estamos trabalhando fortemente para isso", finalizou Daniel Lopes.