Projeto de Educação para refugiados indígenas Warao é aprovado no MPF
Proposta abre novos horizontes para as 39 famílias do povo Warao, refugiados da Venezuela, que estão em Belém desde outubro de 2017. O Projeto Kuarika Nakuri, que significa “Vamos em Frente” na língua warao, foi construído com os próprios indígenas, por uma comissão interinstitucional requisitada pelo Ministério Público Federal para atender as necessidades dos imigrantes. O Grupo de Trabalho de Educação foi coordenado pela Universidade do Estado do Pará (Uepa), por meio do Núcleo de Formação Indígena (Nufi), e teve a participação de órgãos da esfera estadual, municipal e da sociedade civil.
De acordo com a coordenadora do Nufi, Joelma Alencar, o projeto considerou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, das Nações Unidas, sobre as populações indígenas. Também levou em conta a abordagem intercultural, que reconhece valores, saberes tradicionais e práticas das próprias comunidades, para garantir o acesso a conhecimentos e tecnologias que viabilizem a interação e a participação cidadã.
A experiência da Uepa desenvolvida a partir do curso de Licenciatura Intercultural Indígena auxiliou. “É algo muito novo, apesar de alguns traços culturais se aproximarem lá e aqui. Os indígenas que estão em Belém não são aldeados nem citadinos, são migrantes. A participação deles foi decisiva e o nosso papel foi de intermediar o seu protagonismo”, ponderou.
Os Warao são o segundo povo indígena mais populoso da Venezuela e habitam a região do Delta do Orinoco. Desde 2014 tem empreendido migrações para o Brasil em busca de melhores condições de vida, entrando no país pela fronteira de Roraima e seguindo para o Amazonas e Pará, nos municípios de Santarém e Belém. Geralmente, os homens falam o espanhol e tem dificuldades de se comunicar em língua portuguesa. Para as mulheres essa questão ainda é mais complexa, pois só falam a língua própria do povo.
Por isso, os princípios que regem o projeto buscam o letramento que é diferente da alfabetização, pois possibilitará a interação e a autonomia em território brasileiro. As etapas de elaboração iniciaram com um estudo sociolinguístico. “O levantamento buscou identificar aspectos como idade, escolaridade, grupos de famílias, língua materna, conhecimento oral e escrito dos dialetos warao, espanhol e português”, explicou a assessora linguística do projeto, Eliete Solano. Foram mapeados três perfis de alunos: homens adultos; adolescentes; e mulheres e crianças que estudarão juntos em uma dinâmica adaptada, conforme a cultura deles.
O vínculo de confiança com a comunidade foi fortalecido com a ajuda do venezuelano José G. Albarrán Lopez, que atuou inicialmente como intérprete junto à Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda (Seaster). Ele colaborou ativamente buscando encontrar um equilíbrio entre as expectativas dos imigrantes e as soluções possíveis. “Abrigar vai além de dar teto e comida. Pensamos em um trabalho que focasse na comunicação para que eles consigam interagir, se defender na rua. Depois no resgate da autoestima, sabendo que são pessoas que se sentiram obrigadas a sair de seu país. E por fim, a autonomia financeira, por meio de oficinas profissionalizantes, produção e venda de artesanato, para que não precisem mais pedir”, explicou.
As aulas devem ocorrer em um ambiente similar ao que eles viviam: o Jardim Botânico Bosque Rodrigues Alves. Também haverá formações em escolas nas proximidades do principal abrigo em que estão alojados, no bairro da Pedreira. O ideal é que os professores também sejam os próprios Warao, após passarem por preparações específicas. O projeto também prevê carga horária para docentes da rede pública de ensino, familiarizados com a questão.
O conteúdo das disciplinas está centrado nas áreas de Linguagem e Arte; Ciências da Natureza e Matemática; e Ciências Humanas e Sociais. Os temas abordarão assuntos relacionados aos interesses dos indígenas, como agricultura, pesca, artesanato, aliados a outros tópicos necessários para a autonomia deles, como empreendedorismo.
As diretrizes do projeto já foram aprovadas pela 6ª Câmara do MPF e agora seguem para o planejamento orçamentário. O próximo passo é apresentar para os gestores públicos em reunião a ser marcada ainda este mês com o governador Simão Jatene; prefeito de Belém Zenaldo Coutinho; secretários de educação estadual e municipal, titulares da Seaster e da Secretaria Extraordinária de Estado de Integração de Políticas Sociais (Seips), além do reitor da Uepa, Rubens Cardoso. A previsão é que as aulas comecem na segunda quinzena de junho.