Uepa participa de pesquisa que avalia atuação de proteína contra o coronavírus
Professores concluíram que a lactoferrina reduziu a replicação do vírus em até 84,6% em células renais de macaco e 68,6% em células pulmonares de humano
Além da Uepa, estudo é conduzido por pesquisadores da Fiocruz, Inca, IFRJ e UnirioDesde o surgimento no final de 2019, o novo coronavírus, batizado como SARS-CoV-2 pelo Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus (ICTV, na sigla em inglês), tem representado uma séria ameaça à saúde pública em todo o mundo, como agente causador da Covid-19. Com alcance pandêmico, esta doença ainda carece de um tratamento medicamentoso eficaz com baixa toxicidade, levando as empresas farmacêuticas e laboratórios de pesquisa a trabalhar contra o tempo para encontrar uma terapia eficiente aos pacientes afetados.
Diante deste cenário mundial, uma equipe formada por pesquisadores da Universidade do Estado do Pará (Uepa), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ) e Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) utilizou a lactoferrina, uma proteína globular multifuncional, isolada inicialmente do leite bovino, em testes contra a ação do vírus.
Devido à bem conhecida atividade antimicrobiana dessa proteína, a equipe de pesquisadores verificou se ela seria eficaz in vitro contra o SARS-CoV-2. A pesquisa ainda não foi estendida a organismos vivos de animais e humanos, mas pode indicar uma alternativa futura no tratamento da doença. O artigo pode ser acessado, em inglês, nesta plataforma online de distribuição de pesquisas não revisadas, voltada à comunidade científica.
O ensaio antiviral foi baseado em uma técnica de biologia molecular conhecida como reação em cadeia da polimerase com transcrição reversa quantitativa (qRT-PCR). Os pesquisadores concluíram que a lactoferrina reduziu a replicação do novo coronavírus em até 84,6% em células renais de macaco (Vero E6) e 68,6% em células pulmonares de humano (A549) a 1 mg/mL, uma concentração já previamente demonstrada ter baixa citotoxicidade.
A pesquisa da lactoferrina direcionada in vitro contra o SARS-CoV-2 iniciou em março deste ano. Entretanto, o autor correspondente do estudo e professor do Departamento de Patologia da Uepa, Carlos Marques, juntamente com o coordenador do estudo e professor do Departamento de Bioquímica da Unirio, Rafael Braga, já exploravam há mais de dez anos as propriedades bioquímicas e antivirais da molécula, tendo demonstrado no passado o efeito inibitório contra outros vírus epidemiologicamente importantes, como Mayaro, Chikungunya e Zika.
“Com a rápida expansão do novo coronavírus em escala global, a equipe se reuniu para verificar a viabilidade de explorar a atividade antiviral da lactoferrina nesse novo contexto e propôs à Fiocruz a realização dos testes em suas instalações com nível de biossegurança 3 dada a necessidade de maior contenção do vírus” - Carlos Marques, autor correspondente do estudo e professor do Departamento de Patologia da Uepa.
Rafael Braga tem igualmente desenvolvido pesquisas sobre a lactoferrina contra outras infecções, desde 2005. À frente do Laboratório de Bioquímica Estrutural da Unirio, ele e sua equipe investigam a ação da biomolécula no tratamento de diversas outras doenças, como febre amarela, dengue e resfriado. Segundo ele, a lactoferrina é capaz de reduzir as infecções provocadas pelos vírus causadores dessas doenças e motivou a pesquisa inicial da ação da proteína contra o SARS-CoV-2.
Pesquisa pode induzir outros cientistas mundo afora a iniciar testes com a lactoferrina contra o coronavírus em seres humanos"Há 15 anos estudo a estabilidade estrutural da lactoferrina. Em 2014, publiquei junto ao doutor Carlos Marques um estudo mostrando a atividade antiviral da lactoferrina na infecção por um arbovírus amazônico, o vírus Mayaro. Em 2016, ele me propôs estender o estudo com a lactoferrina a dois outros arbovírus que haviam entrado recentemente no Brasil, os vírus Chikungunya e Zika, e mais uma vez mostramos o poder antiviral da proteína. Identificamos que ela bloqueia uma molécula da superfície celular que muitos vírus utilizam para invadir a célula alvo. Dada essa ação antiviral inespecífica da lactoferrina, foi natural considerarmos que ela talvez tivesse efeito também contra o SARS-CoV-2. E acertamos”, afirma.
Os professores concordam que a pesquisa pode induzir outros cientistas mundo afora a iniciar testes com a lactoferrina para comprovar o efeito antiviral na infecção pelo novo coronavírus em seres humanos. “Com o aprofundamento dos estudos in vitro há, naturalmente, uma intenção de avançar para estudos in vivo, de segurança e eficácia da lactoferrina. Entretanto, tal avanço depende da aprovação de comitês de ética e órgãos regulatórios”, enfatiza o professor da Uepa, Carlos Marques.
O artigo com os primeiros resultados do estudo é assinado por 17 pesquisadores: Carlos Alberto Marques de Carvalho, Aline da Rocha Matos, Braulia Costa Caetano, Ivanildo Pedro de Sousa Junior, Samir Pereira da Costa Campos, Barbara Rodrigues Geraldino, Caroline Augusto Barros, Matheus Augusto Patricio de Almeida, Vanessa Pimenta Rocha, Andréa Marques Vieira da Silva, Juliana Gil Melgaço, Patrícia Cristina da Costa Neves, Tamiris Azamor da Costa Barros, Ana Paula Dinis Ano Bom, Marilda Mendonça Siqueira, Sotiris Missailidis e Rafael Braga Gonçalves.