Militar e casal que ajudaram jovens no Enem mostram importância da prática do bem
Cabo Maycon, Marcelo Silva e Vanessa Lellya: pessoas que fazem da gentileza uma prática diáriaNo Dia Mundial da Gentileza - 13 de Novembro, o cabo da Polícia Militar Maycon da Silva Costa e o casal Vanessa Lellya e Marcelo Silva se reencontraram, após a repercussão nas redes sociais de uma foto que já teve quase 13 mil compartilhamentos, na qual o policial aparece ajudando participantes do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), quando os portões estavam prestes a fechar. Na conversa, eles revelaram que a prática da gentileza é uma das coincidências iniciadas naquele domingo, dia da prova.
A gentileza é um aspecto da bondade, o ato de alguém se dispor a fazer o bem a outras pessoas sem esperar benefício em troca, explica Josie Mota, psicóloga da Fundação Hospital de Clínicas Gaspar Vianna (HC). “Quando agimos com bondade é em prol do outro. Tem a ver com a empatia, que não é exatamente se colocar no lugar dele, porque esse olhar é único. Mas é quase isso, o mais próximo de compreendê-lo, rompendo com o padrão do mundo moderno que não impulsiona a cooperação”, afirma a psicóloga.
No domingo (3 de novembro), data da primeira prova do Enem, Vanessa e Marcelo seguiram com os dois filhos adolescentes para o bairro do Curuçambá, em Ananindeua (Região Metropolitana de Belém). O filho mais velho, 17 anos, fez a prova na Escola Laércio Wilson Barbalho. A apreensão do momento não permitiu que a família apenas deixasse o rapaz em frente ao colégio. “Ficamos aguardando para ver se ele ia voltar, se tinha esquecido caneta, documento. Estávamos a postos para qualquer necessidade”, lembra a assistente social Vanessa Lellya.O militar Maycon e a assistente social Vanessa Lellya destacam a importância de fazer o bem ao semelhante
Surpresas - Sem que eles pudessem imaginar, a espera reservou duas situações que marcaram a vida de ambos. “Faltando 7 minutos para o fechamento dos portões, percebemos duas moças na calçada pedindo informações. Elas vieram até o nosso carro e perguntaram se sabíamos onde era a Escola Gaudêncio Ramos. Não tínhamos tempo para pensar. Fizemos elas entrarem no carro e, bem ao estilo ‘velozes e furiosos’, meu marido saiu cantando pneu para levar as duas”, relata Vanessa Lellya.
Em menos de 4 minutos eles estavam em frente à escola, localizada no Paar, bairro vizinho ao Curuçambá. Os momentos seguintes foram para verificar se elas conseguiriam entrar, e também para perceber que, assim como eles, outra pessoa ajudava seu semelhante: era o cabo Maycon. “Meu marido me mostrou o policial andando de um lado para o outro incentivando os estudantes. Mesmo depois do fechamento dos portões, ele ficou dando assistência dentro e fora da escola”, conta Vanessa Lellya.
A cena emocionou a assistente social, que fez uma foto e postou em sua rede social. Em menos de uma hora após a publicação, o próprio cabo recebeu a imagem no celular. Avesso à exposição, Maycon não esperava a ampla repercussão positiva. “Quando o sargento me mandou o ‘print’, rapidamente eu pensei que estavam usando minha imagem para falar mal da Polícia. Será que eu fiz algo errado? Depois que li o texto entendi o que estava acontecendo, e fiquei aliviado. Um elogio não só para mim - como estou fardado – mas para a corporação”, afirma o militar.
A foto do cabo ajudando os candidatos ganhou o mundo pela internetA percepção inicial do policial não é incomum. “É mais fácil atacar o outro de forma feroz, principalmente pela internet, onde as relações estão mais fracas. A gentileza é uma forma fantástica de se conectar com o outro e, consequentemente, consigo mesmo”, afirma a psicóloga Josie Mota, que também destaca os benefícios de ser gentil, como a liberação de neurotransmissores relacionados ao bem-estar e, em longo prazo, o afastamento de doenças crônicas, como depressão e ansiedade.
Repercussão - Na tarde desta quarta-feira (13), Maycon e Vanessa falaram sobre o episódio e como a repercussão afetou suas vidas, com manifestações de amigos de infância e até desconhecidos. “A nossa sociedade é tão violenta, e um ato simples de cidadania chamou a atenção”, ressalta o cabo, que está há 10 anos na Polícia Militar. No dia do Enem, ele lembrou da época em que fez vestibular.
Licenciado em Pedagogia, Maycon sabia a importância da prova na vida dos candidatos, e procurou apressá-los sem que perdessem a calma para fazer um bom exame. “A maior arma é a educação, e procuro trazer isso para o dia a dia, respeitando o cidadão. A própria forma de abordagem cordial faz a pessoa compreender e colaborar com nosso trabalho. Não é fácil, pois saímos de casa sem saber se voltaremos vivos. É uma linha tênue entre liberdade e prisão; vida e morte; acertar e errar”, acrescenta.
Simplicidade - O policial também agradeceu à assistente social pela sensibilidade em registrar a ação. “Você só percebe o que oferece. Ela captou uma atitude simples, que qualquer pessoa poderia fazer. Viu o bem porque também faz o bem”, afirma Maycon.
Vanessa retribuiu a gentileza. “Naquele momento, eu sabia que por dentro da farda havia uma boa pessoa; e hoje tenho certeza, ao ouvir a trajetória dele como pedagogo, e insistindo em fazer a diferença em uma atividade fria como é a atuação policial. As atitudes transcendem a alma. É moral, é caráter. É uma pessoa maravilhosa”, declara Vanessa, filha de um sargento. “Meu pai é PM e professor de História, por isso também acredita na educação para transformar. Antes, era o melhor policial que eu conhecia. Agora, vai ter que dividir o título com ele”, diz ela, se referindo ao cabo.
Esperança - No final do encontro, o cabo Maycon e o casal Marcelo e Vanessa concordaram que a história vivenciada por eles tem, em sua essência, a esperança. “É a prova de que muitas pessoas fazem o bem por aí. Quando você encontra alguém que age da mesma forma, acredita que o mundo vai melhorar”, afirma Vanessa. “Estamos aqui apenas de passagem. Que a gente possa ser a nossa melhor versão, tratar as pessoas de forma gentil, para fazer um mundo melhor para quem fica, nossos filhos e familiares”, ressalta Maycon.
A psicóloga Josie Mota disse que a gentileza parte de dentro do indivíduo, mas reverbera externamenteJosie Mota concorda com essa constatação. “É uma revolução que parte de dentro do indivíduo, mas que reverbera externamente. Fazer o bem ao outro é importante, mas é preciso também ser gentil consigo mesmo”, frisa a psicóloga, que conduz a Política Nacional de Humanização no HC e destaca a importância de cuidar da saúde mental como um ato de gentileza.