"Os Pescadores de Pérolas” encantam a madrugada no Ver-o-Peso
Imagine-se passando pelo Ver-o-Peso, em meio à movimentação de carregadores, barqueiros e vendedores comum às madrugadas do maior mercado a céu aberto da América Latina, e ouvir uma ária de ópera. A cena insólita foi vista no último sábado de agosto, quando foram gravadas algumas das cenas que comporão o documentário que marca a estreia do cineasta Fernando Meirelles na direção de uma ópera. Em Belém há duas semanas, o diretor está à frente da produção de “Os Pescadores de Pérolas”, de Georges Bizet, programa final do XIV Festival de Ópera que estreia nesta quarta-feira, dia 9, às 20 horas, no Theatro da Paz.
Meirelles é um dos poucos diretores brasileiros indicados ao Oscar de Melhor Direção, com “Cidade de Deus”, em 2002. Também esteve no BAFTA (o Oscar inglês) em duas oportunidades, por “Cidade de Deus”, em 2002, e “O Jardineiro Fiel”, em 2006. Por este último filme, a atriz inglesa Rachel Weisz ganhou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante.
A ópera “Os Pescadores de Pérolas” terá, pela primeira vez em Belém, a junção de canto, teatro e cinema. Isso porque em alguns momentos da ópera, imagens dos atores, que foram dirigidas por Meirelles, serão projetadas em duas grandes telas de cinema à frente e ao fundo do cenário.
Além disso, toda a movimentação de Meirelles e os envolvidos na encenação está sendo filmada e constará de um documentário de 70 minutos dirigido por Carlos Nader e Ariel Schvartzman. As filmagens começaram em São Paulo e prosseguem em Belém.
Na primeira fase, foram feitas cenas gerais como as da coletiva de imprensa. E continuaram na semana passada, com cenas no bairro do Fama e na praia de Outeiro, no Bosque Rodrigues Alves, em Ananindeua e no mercado do Ver-o-Peso.
No último domingo, 6, começam a ser rodadas as cenas finais do documentário, que vão mostrar os ensaios e a estreia no próximo dia 9, além de uma palestra de Fernando no dia 14, às 18h30, o ensaio geral e as récitas.
Feira - As cenas no Ver-o-Peso foram com os cantores do elenco principal da ópera: o tenor carioca Fernando Portari, o barítono brasiliense Leonardo Neiva e a soprano paulista Camila Titinger. Os três gravaram entre meia noite e duas horas da madrugada do sábado, em meio ao burburinho peculiar do descarregamento de peixes na pedra do Ver-o-Peso e também na Feira do Açaí. Os três cantores ficaram maravilhados com a experiência.
Quando Leonardo Neiva soltou o vozeirão, um dos trabalhadores, “seu” Mauro Almeida, do município de Soure, que dormia num dos barcos ancorados, se acordou, e o desafiou dizendo que cantaria melhor que ele. Foi o suficiente para que Neiva e Portari entrassem no barco e cantassem junto com Mauro.
Enquanto os dois cantavam árias da ópera “Os Pescadores de Pérolas”, “seu” Mauro ia de carimbó, e não desafinou em nenhum momento. O "embate" teve o apoio de Fernando Meirelles que, apesar de não ter cenas programadas naquele local, acompanhou tudo de perto e ainda deu opiniões. Logo uma plateia se juntou e os aplausos foram ouvidos por toda a pedra do Ver-o-Peso.
Noiva – Logo em seguida, foi a vez de Camila Titinger mostrar seu talento vocal ao público. Vestida com o figurino de sua personagem na ópera, toda de branco e com um grande véu, ela caminhou do Mercado de Peixe até o final da pedra cantando e encantando os transeuntes. Logo já estava sendo identificada como “noiva” e também recebeu sinceros aplausos.
A cantora ficou encantada com a receptividade. “Eu me entreguei a esse momento. Fui buscar uma emoção bem funda e me envolvi completamente com essa cena. Nunca pensei, um dia, que estaria em um lugar tão emblemático como é este aqui”, disse Camila.
A madrugada de filmagens encerrou com Fernando Portari, captado num plano-sequência que o levou até a Feira do Açaí. Portari cantou a ária “Je crois entendre encore”, de seu personagem, Nadir, e que é uma das mais conhecidas do mundo operístico.
Aprendizado - O co-diretor Ariel Schvartzman opera também a steadicam, que faz os planos em sequência, sem cortes, acompanhando bem perto os cantores. Ele é auxiliado pelo câmera Lucas Satti e o operador de som direto Samuel Braga. A equipe, que veio de São Paulo, é auxiliada pelos paraenses Aladim Júnior, Cezar Moraes e Lucas Escócio. A coordenação é da produtora Moana Mendes, também de Belém, que tem no currículo a produção do “Terruá Pará” e o recente longa metragem “Amores Líquidos”, de Jorane Castro, entre outros.
Para Moana, o trabalho está sendo muito gratificante. “Fomos para o Ver-o-Peso sem roteiro e sem saber ao certo o que nos esperava. Tivemos apoio do uma viatura policial, e tudo saiu perfeitamente bem, sem incidentes. Os ‘meninos’ do documentário adoraram fazer essas cenas. Na volta de lá, todos foram unânimes em dizer o quanto foi gratificante e importante filmar naquela feira. Foi meio como a ‘cereja do bolo’. A equipe é pequena, mas muito colaborativa. Posso dizer que com eles eu perdi alguns preconceitos que tinha em relação ao trabalho em cinema”, avaliou a produtora.
Para o videomaker Aladim Júnior, a experiência de estar, ver, viver e aprender num set de filmagem com Fernando Meirelles é única. “Fernando é um cineasta ímpar, premiado, mundialmente respeitado, e ao mesmo tempo, dono de uma simplicidade tocante, um ser humano leve e sorridente. Participar do processo desafiador que ele assumiu ao aceitar o convite para dirigir a primeira ópera dele é meio como ganhar numa megasena criativa”, considera Aladim.
Sobre a experiência de ver de perto a montagem de uma ópera, Aladim diz que assistir a como tudo é pensado é um aprendizado à parte. “São muitos talentos, muitas horas ensaiadas, muitas pessoas envolvidas e todas tão apaixonadas por essa arte, que tem se revelado, pra mim, muito empolgante. Tudo isso fez a aventura de participar ser histórica”.
Cinema - “A experiência cinematográfica de Fernando, aliada ao desafio de dirigir a primeira ópera dele tem sido importante e pioneira para muita gente”, avalia o videomaker. “Até para quem vive há muito nesse segmento, a ideia de Meirelles de levar o cinema à ópera e a ópera às salas de cinemas tem tudo para ser um divisor de águas”, diz.
Aladim se refere à transmissão que a TV Cultura fará da ópera “Os Pescadores de Pérolas”, no próximo dia 15 de setembro, para Belém e interior do Estado, e também à retransmissão para 17 salas de cinema de oito cidades brasileiras, que verão a ópera em tempo real, simultaneamente com Belém.
Cezar Moraes concorda com Aladim. Ele chegou à produção por meio de Moana, com quem havia trabalhado em “Amores Líquidos”. Cezar diz que a convivência com Fernando Meirelles tem sido enriquecedor. “Sempre tive admiração por Meirelles como profissional, tanto que nas oficinas de audiovisual que ministro pelo Estado utilizo vídeos dele falando sobre a direção e funções do set de filmagem para meus alunos. E agora,, trabalhando com ele, vejo que além de um excelente profissional, ele também é um ser humano fascinante, humilde e ávido por aprender e entender a lógica por trás das relações humanas”, avalia.
“Nas filmagens noturnas do Ver-o-Peso, eu o acompanhei em direção à Feira do Açaí. Falei sobre aquele espaço, como funcionava e ele ficou observando as pessoas, provando caroços de açaí. Percebi que todos os sentidos dele estavam absorvendo cada detalhe daquele momento”, descreve Cezar.
Serviço: Programação do XIV Festival de Ópera do Theatro da Paz. Dias 9, 11, 13 e 15 de setembro, às 20h, ópera “Os Pescadores de Pérolas”, de Georges Bizet, com direção de Fernando Meirelles. Os ingressos estão esgotados, mas a récita do dia 15 será transmitida ao vivo pela TV Cultura do Pará.