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Pará é pioneiro na integração do atendimento às mulheres vítimas de violência

Por Redação - Agência PA (SECOM)
08/03/2015 12h10

Mais conscientes dos seus direitos, as mulheres paraenses vítimas de violência estão cada vez mais denunciando seus agressores, que na maioria das vezes são pessoas próximas. De acordo com um levantamento da Secretaria de Políticas para as Mulheres, do Governo Federal, o Pará é a quarta unidade da Federação que mais aciona o 180 (Disque Mulher), ficando atrás apenas do Distrito Federal, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Em 62% dos casos, a violência é cometida por companheiros, cônjuges, namorados ou amantes das vítimas.

O histórico do Disque 180 mostra, ainda, que os laços afetivos são construídos sobre bases violentas, com uma alta frequência de agressões. Segundo as denúncias, 25% das vítimas sofrem violência desde o início do relacionamento. Em 22% dos casos, logo no período de um mês a um ano. Em 42% dos casos, a violência é diária, e em 32% é semanal. Além disso, as vítimas ficam expostas a relações com seus agressores por um longo período. Em 38% dos casos, os relacionamentos têm mais de 10 anos de duração.

Trabalho de formiguinha - “Ainda existe uma cultura de violência muito grande contra a mulher, que está enraizada no seio da sociedade. Essa mulher, muitas vezes, cresceu vendo o avô bater na avó e o pai bater na mãe, e passou a vida achando que isso é normal. Mas não é. Por isso que o trabalho é de ‘formiguinha’, de conscientização e fortalecimento da rede de atendimento a essas mulheres. Contudo, é preciso que as próprias mulheres se percebam como protagonistas nesse processo”, avalia Maria Trindade, da Coordenadoria de Integração de Políticas para as Mulheres no Pará.

A Coordenadoria, vinculado à Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh), foi reestruturada recentemente com a reforma administrativa do governo estadual e, agora tem um papel estratégico dentro da política de enfrentamento da violência contra a mulher. Maria Trindade explica que o objetivo é integrar as políticas públicas voltadas para este segmento. “A ideia é promover ações, projetos e programas de forma transversal dentro do governo, com interface em todas as secretarias e órgãos. Na prática, vamos fortalecer a rede a partir dessa integração, e também as ações preventivas e educativas”, informa a coordenadora.

A receita, apesar de simples, não é tão fácil de ser posta em prática. Para Maria Trindade, a própria sociedade ainda é a principal vilã quanto se trata de igualdade de gêneros. E os dados do Disque 181 - divulgados ano passado diretamente aos representantes da rede - retratam toda a complexidade da questão. “Essa é uma faca de dois gumes. O lado positivo é que as mulheres paraenses estão denunciando mais, e isso se deve, em boa parte, ao fato de estarem tendo mais acesso à informação e ganhando coragem. Por outro lado, se elas estão denunciando é porque precisam, ou seja, continuam sendo vítimas de agressão”, ressalta.

Apesar desta constatação, na avaliação da coordenadora o balanço é positivo, e deve ser visto com entusiasmo. “O que temos que ter em mente é que a violência doméstica sempre existiu; o que ela não tinha era visibilidade. O que está sendo quebrado ao longo dos anos é a naturalidade com que a sociedade trata esse tipo de violência. Estamos em um processo de desconstrução, por isso é natural que isso seja refletido na quantidade de denúncias. Para nós, esses dados reforçam que a mulher informada ganha empoderamento”, afirma. 

Pioneirismo - Nos últimos anos, apesar de todas as dificuldades, o Pará se tornou pioneiro no país. O Estado foi o primeiro a reunir, em um único espaço - o Pro Paz Mulher - todos os serviços necessários para garantir maior rapidez e eficácia no atendimento às vítimas de violência doméstica, familiar ou sexual. A nova estrutura já é modelo para outros Estados, como Minas Gerais, que também integrou seus serviços. Atualmente, cinco espaços semelhantes estão implantados no Pará. Nos próximos anos, o objetivo é disponibilizar a mesma estrutura em todas as 12 regiões de integração.

Em Belém, o prédio que abriga o serviço especializado do Pro Paz está localizado na Travessa Mauriti. Nele funcionam três núcleos de atendimento: Biopsicossocial, de Responsabilização do Agressor e Jurídico (neste atuam o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Tribunal de Justiça). Após passar pela triagem, a vítima é encaminhada ao serviço de acolhimento, onde é acompanhada por uma assistente social e uma psicóloga. Somente depois de receber todo o amparo psicológico, a mulher é encaminhada aos trâmites jurídicos, como o registro da ocorrência.

A diarista M.C, 25 anos, procurou recentemente a unidade do Pro Paz. Mãe de duas crianças, uma de 09 e outra de 7 anos, ela decidiu se separar do companheiro - com que viveu por cerca de um ano e meio – por ter sofrido constantes ameaças de morte. “Como ele não aceita a separação, vive falando que vai fazer alguma coisa comigo e com meus filhos. No início eu fiquei com muito medo, mas agora decidi dar um ponto final. Não tem como continuar com isso. Ainda estou com medo, mas quero meus filhos seguros”, contou.

Somente no ano passado, dos quase 09 mil boletins de ocorrência registrados na unidade e na delegacia virtual, mais de 2 mil são referentes a casos de ameaças. Segundo a delegada Alessandra Jorge, titular da Delegacia da Mulher (Deam), esse é o tipo de crime mais frequente entre as vítimas de violência doméstica, seguido por lesão corporal, com 1.879 registros. Juntos, eles correspondem à metade de todos os boletins feitos na Deam. “Esses são os carros-chefes das denúncias, por isso a importância da prevenção”, reitera a delegada.

Além das ações repressivas, Alessandra Jorge destaca que, periodicamente, são realizadas palestras educativas e caminhadas, como forma de orientar as mulheres e envolver a comunidade no combate à violência. As atividades ocorrem de forma integrada com os demais órgãos da rede. “Não tem como fazer isso de forma isolada, até mesmo por falta de pessoal. Por isso, estamos sempre em parceira com os conselhos para promover as ações. Juntos, procuramos percorrer os bairros, estar mais presente no dia a dia dessas mulheres, até porque sabemos que muitas delas não virão até nós”, diz a delegada.

Atendimento ao agressor - Na outra ponta do problema, o Pará desenvolve mais um trabalho pioneiro no país, no Núcleo Especializado de Atendimento ao Homem Autor de Violência Doméstica e Familiar (NEAH), da Defensoria Pública do Estado. Semanalmente, o núcleo promove palestras e momentos de reflexão com homens que praticaram atos de violência contra mulheres. Durante os encontros, temas como ciúme, família e autocontrole são trabalhados com os participantes por uma equipe multiprofissional.

Um desses homens, aos 46 anos participa há seis do grupo. Casado pelo mesmo período, ele conta que passou a ter uma nova visão da família e que conseguiu recuperar os laços de respeito com a esposa. “Sempre fui muito ciumento, e uma vez acabei explodindo. Passei um tempo preso por isso e depois comecei a participar do grupo, porque o juiz determinou. No início vinha mais pela obrigação, mas depois passei a frequentar por vontade mesmo. Comecei a entender muitas coisas aqui e aprendi a conversar mais com minha mulher”, diz ele.

Segundo a psicóloga Rosana Faron, que atua há três anos com o grupo, este tipo de caso é um dos mais comuns, já que o ciúme é uma das características mais presentes no perfil dos homens atendidos pelo núcleo. “Normalmente eles são pessoas que trazem uma história de vida em que a violência doméstica era muito presente, com pais que sofreram com problemas de alcoolismo ou com famílias muito conflituosas, desestruturadas. Psicologicamente, eles têm um perfil mais controlador e são bastante ciumentos, aí acabam utilizando a violência como uma forma de se impor”, informa a psicóloga.

Com o passar do tempo, conta Rosana Faron, os homens começam a perceber a sua contribuição para a violência doméstica. A assistente social Maria Lima, que também faz parte da equipe, observa a mudança de comportamento dos homens no decorrer das reflexões. Segundo ela, desde que o núcleo foi criado não foi registrado nenhum caso de reincidência de agressão. “Esse é o ponto mais positivo para nós, porque mostra que, de fato, essas pessoas começaram a ter uma nova forma de perceber as suas esposas. Até porque elas mesmas não querem deixá-los”, frisa.

Neste mês, uma das novidades do projeto será a inclusão das esposas nos momentos de reflexão. “Muitos diziam que, ao chegar em casa, as esposas continuavam com o comportamento violento e provocando brigas. Então, essa é uma forma de incluí-las e fazer com que os laços de respeito sejam mútuos”, informa Rosana. Dos 15 encontros previstos em cada grupo, a expectativa é fazer com que as mulheres participem de seis. Em média, a cada seis meses é iniciado um novo grupo.             

Serviço:

- O Pro Paz Mulher fica na Travessa Mauriti, 2394, entre as Avenidas Romulo Maiorana (antiga 25 de Setembro) e Duque de Caxias, no bairro do Marco. O atendimento é de segunda a sexta-feira, das 8 às 18 h, por meio de assistência multidisciplinar de áreas psicossocial, policial, pericial e jurídica. Para garantir pronto-atendimento, o espaço conta com agentes da Polícia Civil para registrar boletins de ocorrência e instaurar inquéritos 24 horas.

- O Núcleo Especializado de Atendimento ao Homem Autor de Violência Doméstica e Familiar (NEAH) funciona no prédio da Defensoria Pública do Estado, localizado na Rua Padre Prudêncio, nº 150. As reuniões são realizadas sempre às quartas-feiras. Mais informações pelo (91) 3201-2700.

- No site da Secretaria de Políticas para Mulheres (http://www.spm.gov.br/) estão elencados, por Estado, diversos pontos de atendimento vinculados à rede de enfrentamento da violência contra a mulher no Brasil. No caso do Pará, os locais da capital e do interior podem ser consultados diretamente pelo link: https://sistema3.planalto.gov.br//spmu/atendimento/atendimento_mulher.php?uf=PA.

Em anexo, o ranking das denúncias realizadas pelo 180 em 2013 e 2012