Da infância à graduação – a formação do músico no Pará dá vida às sinfonias amazônicas
Quem assiste a imponente beleza da Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz (OSTP), talvez não imagine que até pouco tempo ela sequer existisse. Se hoje ela é considerada uma das mais importantes no cenário nacional, muito se deve aos investimentos na formação dos músicos e as possibilidades de caminhos que foram abertas nos últimos 30 anos no Pará.
Regente da OSTP, Miguel Campos Neto foi o primeiro paraense a reger um concerto da Orquestra. Foi aluno da primeira turma do curso de bacharelado em Música da Universidade do Estado do Pará (Uepa), tendo iniciado sua formação no Conservatório da Fundação Carlos Gomes, aos 8 anos.
No meio do curso de bacharel, Campos Neto recebeu uma bolsa para estudar nos EUA, onde ficou durante 10 anos, passando pelas universidades de Missouri, Novo México e Nova Iorque. Assim como a primeira bolsa que o levou ao aprimoramento, a terceira, já para o estudo de regência, foi disponibilizada pela Fundação Carlos Gomes, dentro de um programa que dá apoio para que os egressos da instituição continuem a formação fora do país.
Em sua trajetória, o maestro ressalta que nos anos 80, Belém não tinha a quantidade de músicos suficiente para compor uma orquestra e menos ainda maestros para reger. "Quando a OSTP foi formada foi um momento desbravador, pois precisamos reunir todos os músicos da cidade. Esse momento - que vai fazer 20 anos em 2016 - é muito importante pra todos nós e mostra que os investimentos realizados nesse período foram fundamentais também para que a profissão do músico seja reconhecida e respeitada”, acredita.
Durante o período em que músicos como Miguel Campos Neto estudavam fora, Belém recebia profissionais de outros estados, que foram essenciais para a consolidação da vivência musical da cidade.
Este é o caso, por exemplo, do instrumentista Ricardo Aquino. Paulistano, Aquino é integrante da Amazônia Jazz Band e também da OSTP. Ele conta que veio a Belém em 1996 para ficar apenas seis meses, mas a riqueza musical e o convite para trabalhar no projeto de interiorização da Fundação Carlos Gomes o convenceram a ficar. “A gente tem muito pouca informação do que acontece aqui lá pro Sul e Sudeste do país. Encontrar a diversidade musical de cidades como Vigia, Santarém e Santarém Novo, por exemplo, me encantou. Meus planos eram estudar mestrado e doutorado fora do país, mas com o convite eu resolvi ficar e vi que seria muito mais útil aqui”, revela.
Para ele, é essencial que se veja a educação musical como princípio de formação não apenas do músico, mas principalmente para colaborar com o crescimento de cidadãos críticos e com conteúdo positivo para o desenvolvimento da sociedade. “A gente tem que ver que a música deve fazer parte da formação de todo cidadão, não só pela possibilidade de estar convivendo com uma arte, mas pelos próprios mecanismos que a música têm, de desenvolver na criança e no jovem a capacidade de formação ampla do cidadão, o que é tão importante quanto o português e a matemática”, afirma.
Educação aliada à formação integral do músico
Toda essa profissionalização é balizada no Pará a partir de duas instituições históricas: a Universidade do Estado do Pará e a Fundação Carlos Gomes (FGV), mantenedora do Instituto Carlos Gomes, ambos com cursos de formação superior em música.
Recém inaugurado, o curso superior de Bacharelado em Música é oferecido hoje pelo Instituto Carlos Gomes, dentro da FGV, onde se trabalha a formação de instrumentistas e performance em instrumento ou em canto. Nele o profissional ainda pode escolher entre o bacharel em regência de bandas e o bacharel em composição e arranjo.
O diretor do Instituto Carlos Gomes, Cláudio Trindade, explica que a principal diferença dos cursos superiores está no direcionamento do profissional. “Esse curso de bacharelado do Instituto se diferencia do curso superior da Uepa, porque hoje a Universidade do Estado do Pará promove a licenciatura em música, que é a formação de professores”, explica.
Cláudio diz, ainda, que desde 2014 o curso de bacharelado do Instituto Carlos Gomes, assim como o curso da Uepa, também passam pelo processo do chamado “vestibular”, pois é necessário, além da habilidade vocacional para a música, ter concluído o Ensino Médio. “O que existe também é que na Fundação Carlos Gomes, o estudante tem o ensino técnico em música, em paralelo às aulas do Ensino Médio. Ou seja, ele pode sair da Fundação como técnico e depois prestar vestibular para licenciatura (na Uepa) ou bacharelado (no Instituto).
Regente da Banda Sinfônica da Fundação Carlos Gomes, o maestro Amílcar Gomes é um desses profissionais com formação em duas instituições mantidas pelo Governo do Estado. Com o curso de licenciatura em música pela Uepa, ele também estudou na Escola Municipal Wilson Fonseca, em Santarém, cidade onde iniciou sua carreira profissional.
Para ele, o incentivo ao estudo da música precisa ultrapassar também os limites da formação e cita como exemplo, os concertos didáticos promovidos pela Fundação Carlos Gomes no Theatro da Paz. “Com os concertos, as crianças têm a oportunidade de conhecer os instrumentos de uma banda sinfônica, de ouvir um repertório um pouco mais sofisticado do que eles estão habituados a ouvir, da música acadêmica um pouco mais elaborada. E com isso é possível que alguns deles se identifiquem com algum instrumento e com a prática em grupo e, assim, se tornar um futuro músico”, acredita.
Frutos
Quem teve esse despertar ao ver uma apresentação foi o também maestro Rodrigo Moraes. Natural de Vigia, Rodrigo tem 10 anos de carreira, tendo sido maestro titular da Banda Sinfônica do Município de Melgaço, no Marajó. Hoje ele está concluindo o curso de bacharelado no Instituto Carlos Gomes e atua como maestro assistente da Banda Sinfônica da Fundação.
Rodrigo iniciou seus estudos ainda em Vigia e afirma que atualmente a profissão de músico já é mais respeitada. Ele exemplifica dizendo que um de seus ex-alunos de Melgaço é sargento músico da Marinha do Brasil. “Isso mostra também para os pais desses alunos, que é possível ter um futuro sólido na carreira para viver de música”, ressalta.
Seja na vida profissional de quem vive da música, seja na memória sensorial de quem a absorve, é bom lembrar que em 30 anos todo esse investimento foi essencial para que hoje qualquer cidadão, da criança ao idoso possa, por exemplo, apreciar os diversos grupos de música do Estado como a OSTP, Banda Sinfônica e Amazônia Jazz Band, de uma das cadeiras do histórico Theatro da Paz, assegurando o direito à contemplação da beleza da arte - que como dizem os poetas - é fundamental.