Experiência em Cotijuba ajuda a construir “trilha dourada” de jovens estudantes
A atividade extra que a Escola Estadual de Ensino Fundamental Marta da Conceição, localizada na ilha de Cotijuba, em Belém, promoveu neste fim de semana, seria mais uma dessas aulas de reforço chamada de “aulão”, mas o que ocorreu neste sábado, 30 de setembro, teve um sentido maior que o simples reforço para a prova do Enem. Afinal, na cabeça de muitos daqueles alunos, a vontade de fazer uma boa prova contempla um objetivo mais amplo: o caminho para um plano de vida.
“Trilha dourada”. Esse é o significado, em tupi guarani, do nome da ilha de Cotijuba, marcada pela história de uma penitenciária, cujas ruínas dominam a paisagem da entrada da vila, distante de Belém cerca de uma hora de barco. E esse nome indígena parece ser a mais apropriada tradução do que motivou os alunos a irem à escola assistir às aulas de Biologia, História, Matemática e Física.
O sonho da maioria dos jovens, que neste ano concluem o Ensino Médio, é a universidade. Não só isso: querem escapar de realidades sociais que se refletem nos resultados da educação pública. Por exemplo, a gravidez indesejada ou precoce, que inevitavelmente tira muitos jovens da sala de aula.
A iniciativa da Unidade Seduc na Escola (USE) 12, de promover aulas de reforço no sábado, foi uma novidade motivadora. E foi só a primeira de uma série - prometeu tanto a diretora da escola, Lorena Pinheiro Magalhães, quanto a gestora da USE 12, Aline do Socorro Cruz. Elas agradeceram a presença dos alunos. Aline falou de futuro e esperança - e afirmou: “Podemos fazer diferente; vocês podem fazer a diferença, afinal vocês são o futuro. Aproveitem!”.
Trilha universitária
Carreira profissional. Futuro. Esperança. É isso que está na cabeça de Ericsson Costa, de 13 anos; Ítala Santos, de 19; Mayara Silv, 16, e Flávia Santos, de 24 anos. Mas, a gestora Aline sabe que não é fácil fazer educação. “Entretanto, se a gente não tiver esperança e acreditar... Temos que lutar contra tantas coisas...”, disse aos alunos.
Ericsson quer ser enfermeiro. E com esse objetivo vai fazer o Enem, em novembro. O jovem não trabalha, diferentemente de vários colegas que, inclusive, no sábado, ficaram impedidos de ir à escola porque estavam ocupados. Ericsson tem o incentivo do pai, que é barqueiro, para não abandonar a escola.
Lorena trabalha na Escola Marta da Conceição há dois anos e faz quatro meses que assumiu a direção. Sua escola tem 664 alunos; dos 250 do Ensino Médio, 69 vão concluir o ciclo neste ano. A meta da escola é chegar à média 3.8 do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).
O número pequeno de alunos concluintes do Ensino Médio não desmotivou os educadores em Belém e em Cotijuba. Todo mundo se envolveu, afinal o bom desempenho dos alunos no Enem refletirá no desempenho global da escola. As aulas extraordinárias do sábado foram planejadas por uma equipe de educadores e técnicos e envolveram o Centro de Formação de Profissionais de Educação Básica da Seduc (Cefor).
Fernanda Andrade Jaime, professora referência do Projeto Jovem de Futuro para a disciplina de História em Cotijuba, colaborou para estruturar as aulas e no sábado animava a turma, envolvia-se com a logística. A diretora é empolgada e tem trabalhado para melhorar a infraestrutura de escola. Com o apoio da gestora da USE e dos alunos, quer fazer uma horta no amplo terreno do entorno da escola. Assim como os alunos, ela também sonha com a quadra coberta. Sonhos que rompem realidades.
Lorena explora os saberes da ilha; leva os alunos para conhecerem trilhas e coisas da história; tem um olhar sobre a realidade dos seus alunos e sabe que muitos trabalham para ajudar a família. Ela diz que gravidez precoce é um fato preocupante, problema presente também em Cotijuba.
Esse é um ponto de atenção da aluna Mayara Silva, que faz o segundo ano do Ensino Médio. Projetando ser contadora, ela participou das aulas de sábado. Ela vê seus professores como parceiros do seu sonho (ou da sua trilha dourada): “Eles são uns guerreiros, nunca nos abandonam”. Mayara planeja a carreira universitária para viver uma realidade diferente. Avaliando como os jovens vivem em Cotijuba, foi ela quem abordou a questão da gravidez precoce: “Ter filho é uma grande responsabilidade”, disse.
Ítala também conta com o incentivo dos pais para ir em frente nos estudos; quer se formar em Educação Física e ser professora em Cotijuba. E Flávia, ex-aluna, estava lá para se preparar melhor para o Enem. A Escola Marta da Conceição conta com as atividades do Programa Jovem de Futuro, Aprender Mais (recuperação de conteúdo) e PNAIC (Alfabetização na Idade Certa), ações pedagógicas que fazem parte do Programa de Melhoria da Qualidade e Expansão da Cobertura da Educação Básica.
Edvânia Maria Alves, 19 anos, é uma “Agente Jovem”, disseminadora do PJF, concluirá o Ensino Médio neste ano. Focada no Enem, ela planeja entrar na universidade para fazer dois cursos - Pedagogia e Direito. Ela é um exemplo de estudante que, com incentivo, manteve-se na escola depois de pensar em abandonar os estudos.
Professores voluntários
As aulas deste sábado foram uma novidade pedagógica. Com o apoio do Cefor, três professores voluntários foram a Cotijuba: Yan Leal Gomes (História), Marconni Oliveira (Matemática) e Sérgio Bezerra (Física); Angelo Moreira (Biologia), embora atuando na Escola Estadual Theodoro Bentes, foi também um voluntário.
Eles usaram didáticas diferentes e entusiasmaram os alunos com muita interatividade. E foram unânimes ao avaliar positivamente a experiência criada pela USE 12. “Aqui há muita carência, então é muito importante dar essa oportunidade para estudantes que vivem outra realidade”, disse Marconni.
O professor Bezerra acrescentou que o interessante de iniciativas como essa é que “a escola mostra que há alternativas para os alunos irem adiante nos estudos”. E sugeriu que esse tipo de atividade seja permanente, “principalmente em comunidades como Cotijuba. “Com certeza, isso amplia e ajuda na formação dos jovens”, disse o professor.