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Paciente em cuidados paliativos revive memória afetiva ao tomar açaí no Hospital de Clínicas

Ação conduzida pela equipe multiprofissional do HC reforça a importância da memória afetiva e do cuidado integral

Por Lucila Pereira (HC)
21/11/2025 13h01

Um gesto simples se transformou em um momento especial para o aposentado Raimundo Lobo, 79 anos, de Ananindeua, que está internado no Hospital de Clínicas Gaspar Vianna (HC). Ele enfrenta problemas cardíacos graves e está em tratamento na Clínica Médica da instituição.

Após quase dois meses internado ele provou, pela primeira vez em muito tempo, um pouco de açaí – alimento que acompanha sua história e a de quase todos os paraenses. O paciente hoje depende de sonda enteral e traqueostomia, o que o impede de uma alimentação convencional. Por isso, quando surgem oportunidades de oferecer estímulos gustativos, a equipe aposta na chamada “dieta de conforto”, parte fundamental do cuidado paliativo.

“Mesmo usando sonda enteral e traqueostomia, o seu Raimundo pode receber pequenos estímulos gustativos quando está clinicamente estável. Esses momentos não têm finalidade nutricional, mas permitem que ele sinta cheiro e sabor de algo de que tem saudade, sempre em volumes mínimos e com a fonoaudiologia garantindo uma deglutição segura junto às equipes de fisioterapia, terapia ocupacional e nutrição”, explicou a fonoaudióloga Lorena Pamplona, responsável por avaliar a deglutição do paciente e garantir que o gesto fosse não apenas especial, mas também seguro.

“No caso do seu Raimundo especificamente, ele é um paciente que possui dispositivos. Ele tem tanto a sonda enteral quanto a traqueostomia. Então o cuidado dele é integral com toda a equipe multiprofissional, principalmente com a equipe de fisioterapia e terapia ocupacional”, explica Lorena.

“Então a gente faz esse trabalho conjunto para que possa proporcionar ao paciente uma dieta que a gente chama de dieta de conforto, porque ele não vai fazer a dieta integral via oral. A dieta dele basicamente é por uma via alternativa. Então, nos momentos que a gente pode fazer uma estimulação, a gente tenta trazer pra ele esse conforto, essa lembrança”, pontuou. 

O açaí foi escolhido porque foi o alimento citado por ele quando a equipe perguntou do que sentia saudade. “A gente conseguiu, com a equipe de nutrição do hospital, o estímulo, que é o açaí, algo regional, cultural. Ele traz uma memória afetiva muito boa e é um dos carros-chefes do pedido da fonoaudiologia aqui no hospital. O paciente sempre quer água, quer café, quer o açaí”, diz Lorena.

“Mesmo que seja um volume pequeno, o paciente consegue se alimentar, consegue deglutir de forma segura. A gente está ali do lado para assegurar que ele vai conseguir de forma que não prejudique o caso clínico dele. E trazer essa lembrança, essa dieta paliativa, já que ele está em cuidados que demandam esse tipo de atenção”, completou.

Ao lado do leito, quem acompanha tudo de perto é Jacirema Lobo, esposa de Raimundo, que há dois meses permanece dia e noite no hospital. Para ela, a ação representa mais do que cuidado técnico. “Olha, esse gesto representa um ato muito de caridade. Esse hospital acolheu ele e me acolheu também, porque eu estou aqui até hoje, dois meses com ele.”

Para ela, o cuidado da equipe se transformou em vínculo afetivo. “Elas têm um cuidado todo especial com ele, como se fosse o pai delas, um membro da família. Meu esposo não tem filho, por isso eu fico aqui com ele. Mas como eu falei pra ele: você sempre teve o desejo de ser pai e olha que ganhou tantas filhas aqui. E os meninos também. Os médicos, as médicas… todas são maravilhosas. Elas têm acolhido a gente muito legal. O Hospital de Clínicas está de parabéns junto com a equipe”, disse emocionada.

Cuidados paliativos - A médica geriatra Roberta Tavares, da Comissão de Cuidados Paliativos do HC, reforça que ações como essa traduzem o que é olhar para a pessoa e não apenas para a doença. “O objetivo da palavra ‘paliar’ significa cuidar, cuidar especialmente do sofrimento humano. Aquele paciente em que a gente não consegue mais ter uma proposta de cura ou de melhora de funcionalidade, a gente se propõe a cuidar em todos os âmbitos da vida do paciente. Não só da doença, mas do paciente, da pessoa, daquilo que ele gosta, daquilo que ele precisa e daquilo que contribui para o bem-estar dele”, explicou.

Segundo ela, o cuidado envolve várias dimensões. “Cuidado paliativo é cuidar 100% da dor física, mas também da dor espiritual, da dor social, da psicológica… tudo que envolve sofrimento na vida de um paciente”, acrescentou.

 “O propósito dessa ação é ofertar um alimento que é a base da nossa alimentação, que faz parte da nossa memória afetiva. Trata-se de um paciente que já não consegue mais se alimentar naturalmente e que precisa de dispositivos para isso. A equipe treinou a deglutição dele e perguntou o que ele gostaria, do que ele tem saudade”, explicou a médica sobre o estímulo com açaí. 

Para a especialista, o gesto resume a essência do cuidado acolhedor. “Cuidar significa não só evitar sofrimento, mas dar ao paciente os prazeres que ele ainda pode ter. É um ato simples, que não requer tanta coisa, mas para o paciente tem um significado muito grande. E para a família também. O cuidado paliativo não é ‘não tem mais nada para fazer’. Muito pelo contrário: tem muito a fazer”, finalizou.

A experiência do açaí para o seu Raimundo traduz o propósito do cuidado paliativo: usar pequenos prazeres para devolver ao paciente momentos de dignidade, autonomia e memória afetiva. Um cuidado que não tem foco em prolongar o tempo, mas em preencher o tempo com significado.