Como funciona a Arteterapia, método aplicado pelo Hospital da Transamazônica em pacientes
Atividade estimula expressão através de pinturas e desenhos, e promove bem-estar
Durante 49 dias, o Hospital Regional Público da Transamazônica (HRPT), em Altamira, sudoeste do Pará, foi uma espécie de atelier para um artista que nem mesmo a pessoa mais próxima, a mãe, conhecia. “Ele não desenhava nada. Só fazia as tarefas da escola, mas nunca desenhou antes”. A dona de casa Valdeni Silva dos Santos se refere a Allison Gabriel dos Santos Freitas, filho dela. O garoto de 9 anos passou quase dois meses internado para tratar de derrame pleural, que é o acúmulo de líquido entre pulmões e caixa toráxica, e endocardite infecciosa, nome dado à inflamação da camada que reveste o coração.
“Ao ser perguntado pela psicóloga o que gostaria de fazer como passatempo, ele respondeu que queria folha e lápis”, lembra a mãe. As peças desenhadas fazem referência à maior unidade de saúde do sudoeste do Pará. A maioria delas reproduz a Pediatria, de onde Allison recebeu alta na segunda-feira, 20. Médicos, enfermeiros, técnicos, assistentes sociais, psicólogos e até os coleguinhas internados com ele viraram personagens dos mais de 20 desenhos que criou. “Vou levar um filho artista para casa”, brinca a mãe, Valdeni, que guardou as obras para mostrar o talento do menino à família e amigos.
Os desenhos não devem ser encarados apenas como rascunhos de uma criança. Têm significado e ajudam a mostrar o estado de espírito de quem os fez, como no caso do Allison que, antes da alta, confessou: “Eu gostei do hospital, achei um lugar bom”. A psicóloga Anna Karolynna de Lima Braga explica que “desenhar pode parecer uma atividade simples, mas carrega um poder terapêutico incrível”.
A Arteterapia, nome do método aplicado no Hospital Público da Transamazônica, é mais uma atividade de humanização oferecida pela equipe multiprofissional a pacientes e acompanhantes. “Na Psicologia, ajuda a expressar sentimentos que às vezes não conseguimos colocar em palavras”, avalia Anna Karolynna, que foi desenhada em uma folha inteira, com direito a detalhes, como a caneta enfeitada que a psicóloga carrega durante as visitas.
A Arteterapia também é praticada por Fernando Bispo. O jovem de 20 anos tem transtorno do espectro autista e faz acompanhamento no Hospital da Transamazônica desde 2017. Como paciente com TEA, o caso de Fernando é peculiar porque os desenhos reproduzem o mundo que ele mesmo criou. O HRPT seria como a casa do jovem que expressa tudo no papel, incluindo a paisagem que o acompanha até o hospital e o ônibus que o transporta. “Aqui é o ônibus e esse é o sol”, detalha Fernando, ao mostrar o desenho mais recente que fez.
Silvânia Oliveira Bispo relata que, desde o primeiro contato com as equipes do HRPT, o filho registra a rotina semanal através de traçados e pinturas. “Ele pede para ficar aqui com as meninas [na sala da Ouvidoria, perto do consultório] porque fica mais tranquilo”. Além do ambiente hospitalar e das equipes que o atendem, Fernando sempre coloca a mãe entre os personagens, geralmente representada por um coração. “Isso para mim é gratificante”, confessa Silvânia, que tem outro filho com autismo, José Mário, 29 anos, e vive exclusivamente para o cuidado a eles.
Um dos pontos mais elogiados nos serviços disponíveis no Hospital da Transamazônica é o leque de atividades que humanizam a experiência de pacientes e acompanhantes. Para recém-nascidos e prematuros tem o ‘Método Canguru’, para as mães têm artesanato, para quem faz hemodiálise, crochê. A Arteterapia pode ser desenvolvida por qualquer usuário que se sinta à vontade. “Um desenho é uma forma de comunicação e a gente precisa ter sensibilidade para analisar”, sinaliza a psicóloga Fernanda Lago.
Sobre os registros do xará dela, Fernando, a psicóloga dá um exemplo prático de como os rabiscos podem dizer muito sobre um paciente. “Ele usa círculos como mensagem de proteção, de confiança e segurança. Também é possível observar que as cores têm significado. A gente identifica que as cores utilizadas representam tranquilidade e esperança porque são cores claras, leves”.
Desde 2017, quando passou a ser acompanhado pelo HRPT, o jovem já fez mais de 100 desenhos, parte está guardada no hospital que planeja uma exposição como forma de inspirar outros usuários a descobrir como a arte também é libertadora, mesmo quando se está internado.
Texto: Rômulo D’Castro – Ascom HRPT