Quando a fala é o gesto, a educação ganha traços de solidariedade
Duas mãos: a direita na fronte e a esquerda no centro do peito - uma perto da mente e a outra do coração - e com um gesto se diz "gratidão". O gesto descrito não é um símbolo, mas sim uma tradução do Português para Libras, a Língua Brasileira de Sinais, ainda pouco conhecida para quem não possui deficiência auditiva, mas que é, ou deveria ser, a língua primordial do surdo.
Um desafio que vem sendo trabalhado pela Secretaria de Estado de Educação e que levou a consolidação do Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e Atendimento à Pessoa Surda - CAS, que atende alunos e professores para o ensino de Libras.
Criada em 2004, a partir do Programa Nacional de Apoio a Educação de Surdos, em parceria com a antiga Secretaria de Educação Especial, o CAS hoje é uma das principais coordenadorias da Seduc e atende cerca de 500 alunos por semestre. Voltado principalmente para o ensino do professor e pedagogo, seus cursos aperfeiçoam o profissional da educação a trabalhar o aluno surdo. Apenas no primeiro semestre deste ano, 488 alunos concluíram curso do Libras.
Atualmente, 5% da popular brasileira é constituída de pessoas surdas, sendo 15 mil apenas em Belém. De acordo com o coordenador do CAS, Giovanni Correa, o objetivo do Centro é capacitar o professor, seja ele da rede pública ou particular, para atender esta comunidade. "Nosso objetivo é que toda escola esteja preparada para receber o aluno surdo. Mas nós sabemos que esta ainda é uma realidade distante", afirma. Com duração de um ano e meio , o curso de Libras é dividido em 3 níveis que, após concluídos, preparam o chamado "professor ouvinte" para atender os alunos surdos em sala de aula.
Giovanni é enfático ao ressaltar que o profissional que procura o curso precisa ter a clareza de que ele vai atender a uma comunidade específica. "Não se trata de conseguir apenas um certificado, mas sim de trabalhar efetivamente com quem precisa".
Além do curso de Libras, a CAS também tem disponibiliza o único curso de Língua Portuguesa para surdos, voltado para qualquer faixa etária. Com turmas são quase individualizadas, com uma média de 3 ou 4 alunos, de todas as idades, que em uma hora e meia por semana aprendem o português como quem faz um curso de francês ou espanhol.
"Eu entrei na Universidade porque tinha o sonho de ser escritor. Não pensava em ser professor de surdos. Mas dentro do curso de Letras eu comecei a sentir necessidade de repassar o conhecimento que estava adquirindo, pois o surdo não entende o português, a língua dele é a de libras e não a portuguesa. Quando percebi isso vi que a comunidade surda precisava de mim". O entendimento do professor Jehrikson Diniz o levou a se tornar o único professor de Língua Portuguesa exclusivamente para surdos, na rede estadual de ensino.
O professor explica que mesmo tendo nascido no Brasil, a Língua Portuguesa não é a primeira que o surdo aprende. A língua do surdo é a Linguagem Brasileira de Sinais e traduzir o português para ela é um trabalho longo. "É um trabalho para que eles realmente dominem a Língua Portuguesa e esse tempo é de cada aluno, por isso é longo", explica
Apoio - Professora da rede estadual há 22 anos, Socorro Bonifácio é uma das principais referências no ensino para surdos. Nessas duas décadas, a professora afirma o que cada surdo conhece bem: a dificuldade maior começa em casa. "Na maioria das vezes, o pai e a mãe não sabem o que fazer. Eles colocam o filho pra aprender a linguagem de sinais, mas eles mesmos não sabem se comunicar por Libras. Então a criança não tem um aprendizado contínuo e os pais se sentem incapazes", conta.
Um exemplo dessa realidade se dá quando o aluno vai prestar vestibular, por exemplo. É o caso de Hayan Moura, 24 anos, que está no cursinho pré-vestibular para surdos da Unidade Especializada Austério de Campos. Com a surdez iniciada na infância, Hayan diz que era proibido de usar a linguagem de sinais em casa. "Minha mãe dizia que era feio, então eu demorei pra aprender", conta ele que pretende ingressar no curso de arquitetura e que está aprendendo Libras no cursinho.
Casos como o de Hayan Moura ainda são comuns na comunidade surda, onde a maior dificuldade é encontrar escolas preparadas. O cursinho onde ele se prepara para o vestibular é um projeto voluntário dos professores da Unidade Especializada Austério de Campos, escola referência para surdos, em funcionamento desde 1960.
Trabalhando com Educação Infantil, Ensino Fundamental, Educação de Jovens e Adultos e com atendimento especializado para o aluno que está matriculado na rede comum de ensino, a Austério de Campos é a primeira e única referência no Pará a trabalhar exclusivamente com o aluno surdo.
A diretora Maria José Gomes, explica que mesmo com a inclusão nas chamadas escolas normais, o aluno surdo ainda precisa de um acompanhamento externo, pois a maioria das escolas não possuem intérpretes em tempo integral para atender todas as turmas. "Na maioria das vezes o aluno chega aqui sem entender o conteúdo passado em sala. Nós traduzimos todas as disciplinas", explica a diretora.
Maria José também reafirma o quanto a presença dos pais na vida de cada aluno é fundamental. "É praticamente impossível que o aluno surdo consiga evoluir se não tiver o apoio da família. O pai e a mãe, principalmente, precisam também aprender a linguagem de sinais", orienta.
Mãe de uma filha surda, a diretora e pedagoga Maria José é um exemplo da necessidade do apoio familiar. Ela conta que só foi estudar Libras depois que a filha, hoje com 23 anos e professora concursada da Universidade Federal do Pará, ficou surda. "Quando me dei conta da dificuldade que ela enfrentaria, vi que dependia de mim ajudá-la, por isso estou aqui hoje", revela.
Além da educação infantil, a escola Austério de Campos mantém, por iniciativa dos professores, o cursinho pré-vestibular, oferecido gratuitamente aos alunos que concluem o ensino médio. Fundando em 2002, o cursinho conseguiu aprovar cerca de 12 alunos surdos dentro das universidades, número considerado uma grande vitória para a comunidade surda, uma vez que ele é o único em todo o estado.
Também estudante do cursinho da Austério de Campos, o jovem Wirson Almeida, de 19 anos, acredita que a dificuldade da pessoa com deficiência é a falta de preparo da sociedade. "Eu procuro entender que a dificuldade não é minha, não me sinto diminuído. A dificuldade é da sociedade que não sabe lidar com o diferente e nem está preparada para isso", conclui ele que também pretende trilhar o caminho da educação e ensinar que a comunicação e o afeto também podem ser falados com os gestos.
Serviço:
Curso de Libras para professores, pedagogos e pais ouvintes de surdos: no CAS - Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e Atendimento a Pessoa Surda. Duração de 1 ano e meio.
Ensino especializado para crianças surdas e cursinho pré-vestibular para surdos: Unidade Especializada Austério de Campos.
Escola regulares da rede estadual com intérpretes de Libras: Escola Estadual Paulino de Brito, Escola Estadual Jarbas Passarinho, Escola Estadual Vilhena Alves, Escola Estadual Graziela Moura Ribeiro.