Seirdh realiza seminário sobre memória, justiça e reparação de vítimas da ditadura militar
Evento conta com vasta programação e acontecerá em abril, com entrega de atestados de óbitos aos familiares de paraenses mortos naquele período

O Estado do Pará, por meio da Secretaria de Estado de Igualdade Racial (Seirdh), promove nos dias 1, 2, 10 e 11 de abril o seminário “As políticas de memória, justiça e reparação: as demandas dos desaparecidos, torturados e mortos pela ditadura militar no Brasil”. O evento conta com ampla programação e reafirma o compromisso com a justiça às vítimas da repressão política vivenciada em 1964 no país.
A cerimônia será aberta oficialmente às 10h, com o Salão de Caricaturas do Jornal Resistência, no Espaço Cultural Casa das Onze Janelas. O espaço, que atualmente é um dos pontos turísticos da capital, foi um dos lugares usados para tortura em 64.
No segundo dia, o evento irá apresentar o documentário “Depois do Vendaval”. A obra de Luiz Arnaldo Campos, José Carlos Asbeg e Sergio Péo retrata o período logo após o fim da ditadura.
Reconhecimento - O secretário da Seirdh, Jarbas Vasconcelos, destacou a importância de eventos como este. Para o titular, este momento se torna fundamental para reafirmar o compromisso com a verdade, a justiça e a democracia.
“A preservação da memória das vítimas da ditadura militar não é apenas um dever histórico, mas uma necessidade para garantir que as violações dos direitos humanos nunca mais se repitam. Muitas famílias ainda aguardam respostas, e é papel do Estado assegurar que a busca por justiça avance com transparência e compromisso”, disse.
No terceiro dia de evento, 10 de abril, serão entregues as certidões de óbito de dez paraenses mortos ou desaparecidos durante a ditadura. De acordo com o secretário, para a Seirdh, este momento histórico faz parte do trabalho diário de manter viva a memória das vítimas, visando um futuro no qual a democracia e os direitos fundamentais sejam inegociáveis.
“A Seirdh trabalha para garantir que violações como as ocorridas durante a ditadura militar jamais se repitam. Por meio do fortalecimento das políticas de memória e verdade, do combate à tortura e à violência institucional, e da capacitação de agentes públicos em direitos humanos, a secretaria atua para prevenir abusos e fortalecer a justiça e a reparação histórica. Também promovemos o diálogo com movimentos sociais e órgãos de fiscalização, garantindo que as vítimas de violações tenham voz e acesso a mecanismos de proteção e reparação.”
Para a secretária adjunta Edilza Fontes, a entrega das certidões de óbito e a estuda dos familiares destas pessoas são formas de reconhecer oficialmente que estes paraenses sofreram com a tortura e a morte naquele período.
“Se você conhece o passado, entende o presente. O reconhecimento das vítimas daquele regime foi feito primeiramente em 1995, a partir do surgimento da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, no governo Fernando Henrique Cardoso, e também com a criação da Comissão Nacional da Verdade, instituída em 2012, durante o governo Dilma Rousseff”, explica a historiadora.

Lançamento - No último dia do evento, será lançado o livro "Por Trás das Chamas: Mortos e Desaparecidos Políticos - 60 anos do Golpe de 1964", de autoria do escritor Nilmário Miranda. Atualmente, ele é chefe da Assessoria Especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade (ADMV) do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania (MDHC).
A obra conta histórias de perseguidos pelo regime militar e faz referência, no título, aos fornos da Cambahyba, usina de açúcar localizada em Campos dos Goytacazes (RJ), onde corpos de vítimas eram incinerados.
“Este é um livro de combate e intervenção política e pedagógica, que reúne nove histórias sobre a ditadura e as lutas para enfrentá-la e tentar derrubá-la. Confrontos quase sempre desiguais, com resultados dramáticos e cruéis para a militância. Gerações que vieram depois desse período, principalmente a juventude atual, desconhecem grande parte desses acontecimentos”, conta o autor.
Vítimas paraenses
1 - Antônio Alfredo de Lima (Antônio Alfredo de Campos). O paraense residia em São João do Araguaia, com sua mulher e três filhos. Era posseiro de uma pequena roça. Em 1972, conheceu o grupo do Destacamento A e passou a integrar a guerrilha, oferecendo aportes alimentícios e contribuindo para a locomoção pela região. Foi morto durante a operação Marajoara, sendo vítima de desaparecimento no mesmo período em que também sumiram André Grabois, João Gualberto Calatrone e Divino Ferreira de Souza.
2 - Benedito Pereira Serra. Nascido em Bragança, era casado com Miracy Machado Serra e tinha seis filhos. Trabalhava como agricultor e era presidente da União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Estado do Pará (ULTAP). Rotulado como perigoso elemento subversivo e como agitador comunista, sofreu forte perseguição política por parte do Estado em virtude de sua luta pela proteção dos direitos dos trabalhadores rurais. Morreu aos 50 anos de idade em decorrência de ação perpetrada por agentes do Estado no dia 16 de maio de 1964, no Hospital Militar de Belém, vítima de hepatite infecciosa viral, que fora contraída e agravada em virtude de graves torturas e péssimas condições carcerárias a que foi submetido.
3 - Edson Luiz Lima Souto. Nascido em Belém do Pará, Edson Luiz Lima Souto pertencia a uma família pobre. Mudou-se para o Rio de Janeiro com o objetivo de buscar melhores condições de vida e dar continuidade aos estudos secundários. Começou a trabalhar como faxineiro em uma cooperativa e matriculou-se no Instituto Cooperativo de Ensino, onde funcionava um restaurante conhecido como “Calabouço”. Além de trabalhar e estudar, participava das manifestações pela melhoria das instalações da escola e do restaurante, frequentava assembleias do movimento estudantil e colaborava na confecção de jornais e murais. Morreu aos 17 anos de idade, durante uma manifestação no interior do restaurante Calabouço, em decorrência de ação perpetrada por agentes do Estado. Edson Luiz Lima Souto morreu no dia 28 de março de 1968, após ter sido atingido por disparo de arma de fogo durante uma manifestação no interior do restaurante Calabouço.
4 - Eiraldo de Palha Freire. Nascido em Belém do Pará, Eiraldo Palha Freire tinha um irmão gêmeo, Fernando Palha Freire. Os dois tornaram-se militantes da Ação Libertadora Nacional (ALN). Trabalhava na Caixa de Registro da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Eiraldo Freire morreu no dia 4 de julho de 1970. De acordo com a narrativa apresentada na ocasião pelas forças de segurança do Estado, foi baleado e preso no aeroporto do Galeão, Rio de Janeiro, por militares da Aeronáutica.
5 - Joaquim Alencar de Seixas. O paraense foi casado com Fanny Akselrud Seixas, com quem teve quatro filhos. Trabalhou como operário em diversos lugares e foi obrigado a deixar o emprego inúmeras vezes em função de sua militância política. Atuou como mecânico de aeronaves em empresas como Varig, Aerovias e PanAir. Foi demitido da Varig depois de denunciar a relação da empresa, cujos proprietários eram alemães, com o nazismo e com o governo de Getúlio Vargas. No Rio de Janeiro, foi militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), ao qual esteve atrelado até 1953. Joaquim Alencar de Seixas morreu no dia 17 de abril de 1971, após ser preso e torturado por agentes da repressão.
6 - Lourival Moura Paulino. O paraense vivia em Xambioá, hoje, estado do Tocantins, com a companheira e um filho. Atuava como barqueiro, vendendo e transportando produtos de primeira necessidade pelas localidades por onde navegava, inclusive, para os membros das forças guerrilheiras do Araguaia. Além do filho, teve também outra filha, na cidade de Marabá (PA). De acordo com o relatório da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), Lourival foi interrogado sob suspeita de subversão, na base militar de Xambioá (TO), torturado, levado à delegacia de polícia da cidade e, lá, encontrado enforcado em 21 de maio de 1972.
7 - Manoel Raimundo Soares. Nascido em Belém do Pará, Manoel Raimundo Soares formou-se em aprendizagem industrial no Instituto Lauro Sodré e passou a trabalhar em uma oficina mecânica. Aos 17 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro (RJ) e, em 1955 ingressou no Exército, alcançando o posto de segundo-sargento após quatro promoções. Manoel preocupou-se com a necessidade de organizar uma resistência ao golpe militar. Devido à manifestação de sargentos do Exército, em 11 de maio de 1963, no Sindicato dos Comerciários, no centro do Rio de Janeiro, Manoel Raimundo sofreu pena disciplinar e foi transferido para Campo Grande, no Mato Grosso. Em dezembro de 1966, Manoel Raimundo Soares foi morto, aos 30 anos de idade, em uma ação perpetrada por agentes da repressão do Estado. Seu corpo foi encontrado no Rio Jacuí, por dois moradores da Ilha das Flores, nas proximidades de Porto Alegre, com as mãos amarradas às costas, ficando conhecido como “o caso das mãos amarradas”.
8 - Miriam Lopes Verbena. Miriam militava no Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e, em 1972, morreu em um acidente de automóvel no interior de Pernambuco, com seu esposo, Luis Alberto Andrade de Sá e Benevides, dirigente do PCBR. O suposto acidente ocorreu na BR-432, entre Cachoeirinha (PE) e São Caetano (PE), em 8 de março de 1972. O casal viajava em carro emprestado por Ezequias Bezerra da Rocha, amigo de Miriam, que seria morto sob tortura pelo DOI do IV Exército, em Recife (PE), logo após a morte do casal.
9 - Pedro Ventura de Araújo Pomar. Era filho de Felipe Cássio Pomar, pintor e escritor peruano. Sua mãe, Rosa, era maranhense. A família de Pedro mudou-se para Nova York em 1918, seus pais se separaram e, um ano depois da separação, ele e sua mãe voltaram a viver na cidade de Óbidos, no Pará. Com 13 anos, Pedro foi estudar em Belém, onde se envolveu com a movimentação política da década de 1930. Em setembro de 1932, participou da organização de um levante armado em apoio à Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo. Viveu um tempo no Rio de Janeiro, hospedado na casa da escritora Eneida de Moraes, militante comunista, a convite de quem entrou no Partido Comunista do Brasil (PCB). Em 1933, voltou para Belém e, aos 19 anos, ingressou na Faculdade de Medicina. Aos 22 anos, em 1936, Pedro Pomar foi preso pela primeira vez. Saiu da prisão em junho de 1937 e passou a viver na clandestinidade. Morreu aos 63 anos de idade, executado por agentes do Estado, no episódio que ficou conhecido como “Massacre da Lapa”.
10 - Raimundo Ferreira Lima. Raimundo Ferreira Lima, sindicalista e agente pastoral, pai de seis filhos, mais conhecido na região como Gringo – por conta de sua estreita relação de amizade com dom Pedro Casaldáliga. Estudou por conta própria, cursou aulas de prática veterinária com um médico de Marabá. Mais tarde, tornou-se agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), desenvolvendo um intenso trabalho de conscientização dos posseiros envolvidos na luta pela terra. Foi preso diversas vezes durante o período da Guerrilha do Araguaia, por conta de sua proximidade com alguns dos guerrilheiros. No dia 29 de setembro, quando retornava de um encontro de líderes sindicais na cidade de São Paulo, Raimundo Ferreira Lima foi sequestrado dentro do hotel onde pernoitava, em Araguaína, hoje estado do Tocantins. Gringo foi levado até uma estrada fora da cidade, onde foi torturado (seu braço foi quebrado) e morto, pelas costas, com dois tiros calibre 32.