Equipes do governo prosseguem com atendimento à população em Vila do Conde
Quase toda a extensão da praia de Vila do Conde, em Barcarena, já está livre das dezenas de carcaças de bois que para lá convergiram na madrugada de segunda, após o rompimento da barreira de contenção em torno do navio Haidar, afundado junto ao cais do porto. A praia, porém, permanece interditada, por causa do risco de contaminação das águas e dos resquícios de óleo nas águas e margens do Rio Pará.
Os impactos ambientais do naufrágio do Haidar ainda são medidos por técnicos e engenheiros da Secretaria de Meio Ambiente de Barcarena, Secretaria de Meio Ambiente do Pará e Instituto Brasileiro de Meio Ambiente. Esse esforço tripartite é uma característica da maioria das ações destinadas a atenuar o sofrimento das pessoas atingidas direta e indiretamente pelo acidente do último dia 6, que mudou a rotina do município e mobilizou prefeitura, Estado e União em um esforço coletivo em busca da normalidade perdida.
A secretária municipal de Assistência Social, Juliena Nobre, não parou desde o dia do acidente. Ela colocou toda a sua equipe para fazer visitas domiciliares e identificar quem são, quantos são e do que precisam os cerca de oito mil moradores de Vila do Conde, que virou o centro das operações. “Estamos agindo desde o começo da crise e ainda tem muito trabalho pela frente”, conta ela.
Liderando um batalhão de servidores, com apoio logístico da Secretaria Municipal de Infraestrutura, do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil, Juliena traça o perfil das famílias atingidas, por meio de uma pesquisa socioeconômica com mais de quatro mil visitas domiciliares consolidadas. Graças a esse trabalho, as autoridades municipais e estaduais da área de Saúde puderam detectar o segmento mais frágil nesse processo: as crianças. São elas o público-alvo das consultas que começam hoje na Unidade Móvel da Sespa. Mais de 40% dos moradores de Vila do Conde são crianças e adolescentes.
O levantamento também aponta que, até agora, as necessidades mais urgentes das famílias são água e comida. A insegurança alimentar e a escassez de água potável se juntam a um hiato de trabalho e geração de renda, nas áreas urbana e ribeirinha, desde que o Haidar afundou, derramando óleo e espalhando carcaças de bois pelo distrito. “As consequências imediatas do acidente são a suspensão do trabalho de pescadores e comerciantes das praias. O medo desses impactos inibe o turismo, principal atividade econômica daqui, juntamente com a pesca artesanal”, lembrou a secretária.
A Secretaria Municipal já está recebendo apoio da Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda. Dez técnicos da Seaster chegaram à Vila do Conde, juntando-se aos quase 100 servidores estaduais civis e militares, cujo quartel-general passou a ser o prédio da Pastoral do Menor. É lá que está operando em turno único, das 8 às 17 horas, o ônibus da Sespa com três consultórios, diversos profissionais e equipamentos apropriados para atendimento primário e alguns procedimentos de média complexidade. Muita gente procura o ônibus e os postos de saúde atrás de vacina contra hepatites B.
A fila de crianças levadas por mães, avós e irmãos até a unidade móvel chegou ao pico por volta das 12h. No mesmo momento, camburões de água, frascos de hipoclorito e cestas básicas eram distribuídas nas comunidades. Nesta quinta-feira as equipes que fazem todo o trabalho de assistência aos moradores de Vila do Conde, coordenadas pelo Coronel Augusto Lima, do Corpo de Bombeiros, tomaram um susto. Mais uma vez rompeu-se uma parte da contenção do óleo e das carcaças submersas junto ao píer do porto. Lá o trabalho também é intenso, mas assim como a retirada das carcaças das praias, cabe à uma empresa contratada pela Companhia das Docas do Pará, a Mammoet, os serviços de salvatagem que consistem na contenção, remoção e destinação dos resquícios do naufrágio.
Segundo a Defesa Civil, que acompanha e fiscaliza esse trabalho ao lado do Ibama e da Semas, o vazamento desta vez foi menor. O óleo vaza por um dos suspiros dos 25 tanques de combustível da embarcação. Intensificou-se ontem, com a chegada de um equipamento especial, segundo a CDP, a operação de retirada do óleo. Por meio de um sistema chamado Hot Tap, o casco do navio é perfurado por uma grande broca acoplada a uma bomba. É um trabalho delicado. Além das sutilezas da operação, a Mammoet não pode relaxar em relação aos procedimentos, em que devem ser cumpridas normas técnicas.
O plano de operações é, aliás, uma das fragilidades apontadas pela Semas, Ibama e Defesa Civil. A definição da área de descarte de bois e de óleo, o transporte apropriado, a impermeabilização das covas, tudo deve obedecer às normas e procedimentos exigidos por lei. A CDP tem de detalhar os planos de ação ou o Porto de Vila do Conde poderá ser fechado.
A Defensoria Pública do Estado do Pará, o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado (MPPA) entraram com ação cautelar com pedido de tutela antecipada nesta quinta-feira, 15 de outubro, na Justiça Federal em Belém, pedindo a paralisação total das atividades no porto de Vila do Conde, em Barcarena, até que seja apresentada uma solução para a remoção das carcaças e do óleo do navio Haidar. São réus na ação a Companhia Docas do Pará (CDP), responsável pelo porto, e as companhias Global Norte Trade e Minerva, responsáveis pela operação portuária e pelos bois, respectivamente.
As instituições, que acompanham a evolução do desastre desde o naufrágio, querem que o porto permaneça fechado até que as carcaças de bois sejam removidas na totalidade. Também pedem que seja assegurado o fornecimento de máscaras contra odor, água potável e ajuda financeira para os moradores impactados e que seja aprovado um cronograma para retirada de todo o óleo e das carcaças que ainda estão contidos no navio. O porto não tinha plano de contingências para esse tipo de ocorrência e a demora em tomar providências aumenta, a cada dia, a extensão da catástrofe ambiental.
O navio está adernado no porto e foi feita uma barragem de contenção pela CDP na tentativa de evitar que fossem liberados nas águas os quase 4,8 mil animais mortos dentro do casco do navio, assim como cerca de 700 mil litros de óleo diesel. Seis dias depois do naufrágio, na madrugada da segunda, 12 de outubro, a barreira se rompeu e uma pequena parte da carga, já em avançado estado de putrefação e contaminada por óleo, foi dar nas praias do município de Barcarena, onde fica o porto, e nas de Abaetetuba, município vizinho.
Centenas de moradores dessas praias usam máscaras cirúrgicas para suportar o mau cheiro dos animais em estado de decomposição. O MPF e a Defensoria solicitaram o remanejamento das famílias, que se negam a sair do local e ir para o ginásio de esportes do município porque temem furtos às residências. Crianças e idosos passam mal com os vapores das carcaças em decomposição. “A contaminação decorrente do derramamento do óleo, bem como dos corpos de animais em putrefação, já atingiu o fornecimento de água potável na região afetada, densamente povoada, seja por ribeirinhos, seja por comunidade urbana ou rural”, diz a ação judicial.
“Embora os números ainda sejam imprecisos, sabe-se que não mais de 30 animais foram resgatados com vida, enquanto outros animais (cuja estimativa oscila em torno de 200) chegaram a deixar a embarcação antes do naufrágio, alguns dos quais foram abatidos pela população, enquanto a expressiva maioria, morta por afogamento, remanesce flutuando, em contenção realizada no local, de modo que aproximadamente 4.800 (quatro mil e oitocentos) indivíduos ainda se encontram presos no interior da embarcação naufragada”, narra a ação judicial.
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) autuou as três entidades responsáveis pela situação, CDP, Minerva e Global, exigindo medidas urgentes e eficazes para retirada dos restos do naufrágio. Até 9 de outubro, a Semas aplicou multa diária de R$ 200 mil e, a partir de então, diante da falta de ações, aumentou a multa para R$ 1 milhão por dia.
O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) também notificou a CDP e as empresas Minerva e Global para que retirem e incinerem o material orgânico, de forma a prevenir contaminação ainda maior das águas superficiais e lençóis freáticos da região, por necrochorume (líquido da decomposição dos corpos). A carga total contida no navio pode gerar mais de 1 milhão de litros de necrochorume.