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Decisão do STF fortalece ações do Pará em prol de quilombolas

Por Redação - Agência PA (SECOM)
10/02/2018 00h00

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), reconhecendo o direito dos quilombolas à propriedade das terras onde vivem, reforça o empenho do Pará pela regularização fundiária desses territórios e contribui para o enfrentamento de uma questão maior da sociedade brasileira: o racismo. Por 10 a 1, o STF rechaçou a Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada em 2004 para questionar o decreto 4887/2003, que regulamenta a titulação das terras quilombolas. 

O Pará foi o estado que mais concedeu títulos de território quilombola em todo o País. Das quase 200 comunidades tituladas, mais da metade está em território paraense, embora existam quilombolas em 25 das 27 unidades federativas do Brasil. No Pará já se reconhecem 240 comunidades, mas acredita-se que haja cerca de 400.

“O Brasil amanheceu mais humano”, disse na sexta-feira (9), no dia seguinte à decisão do Supremo, a coordenadora do Núcleo de Apoio aos Povos Indígenas, Comunidades Negras e Remanescentes Quilombolas (Nupinq), Adelina Braglia. A frase da coordenadora do Nupinq, que integra a Casa Civil do Governo do Estado, faz mais sentido quando se percebe que o título de terra, para um quilombola, tem valor muito maior do que o econômico. Mais do que um bem, a propriedade representa o reconhecimento da própria história dos descendentes de escravos e sua inclusão na memória nacional como protagonista dessa história.  

“O Brasil tem o dever de reparar os danos da escravidão”, afirma Adelina Braglia. Segundo ela, a Constituição Federal de 1988 institui essa obrigação, e uma das normas que estabelece o dever de reparação está contida no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o estado emitir-lhes os títulos respectivos”.  

A ação de inconstitucionalidade tentou dissolver essa garantia constitucional contestando o decreto que a regulamenta. O impacto de uma decisão favorável à contestação, caso o STF a admitisse, seria desastroso para o Brasil e, particularmente, o Pará.

No País, estima-se que existam 214 mil famílias quilombolas. Nesses locais, incrustados no Brasil profundo, a terra não é, infelizmente, a única herança dos remanescentes. O espólio de injustiça, segregação e abandono é constatado pelos números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Segundo o IBGE, 55% dos adultos e 41% das crianças de comunidades quilombolas passam fome ou vivem sob o risco de inanição.

A vulnerabilidade dessas populações não se resolve, num passe de mágica, pela expedição de um título de terra. Mas esse documento é fundamental para a inclusão dessas comunidades no sistema produtivo, para o acesso dos quilombolas a programas de financiamento e para a circulação de seus produtos no mercado, garantindo-lhes renda e perspectiva de melhores condições de vida.

Muita gente, porém, trata dessa questão com preconceito, intolerância ou pela ótica do reducionismo. Foi essa a motivação do PFL ao propor a Adin que, se aprovada, promoveria um retrocesso no direito agrário. 

Nas mais de 3 mil comunidades reconhecidas pela Fundação Palmares (o reconhecimento é o primeiro passo para a regularização), os quilombolas trabalham e trabalham muito. As comunidades praticam a agricultura familiar, preservam o meio ambiente e defendem a sustentabilidade, que garantirá o alimento das gerações futuras, o que significa que a terra enche barriga, sim, quando bem utilizada.

Ao receberem os títulos de propriedade das terras onde vivem, os remanescentes quilombolas têm a oportunidade de “pensar com poder”, como disse o escritor Guimarães Rosa. Em outras palavras, têm a chance de transformar a realidade vulnerável em que vivem, impulsionando sua capacidade de produzir em benefício da própria comunidade. 

É por isso que faz sentido a emoção da coordenadora do Nupinq, Adelina Braglia, quando diz que o Brasil amanheceu mais humano, ao reconhecer o direito dos quilombolas sobre o chão onde pisam, resguardar o dever constitucional de reparação dos danos da escravidão e consagrar em lei o reencontro dos descendentes de escravos com as suas raízes.    

“O negro só pode ser protagonista da História do Brasil ao mostrar que ele faz parte dessa história, não apenas como força muscular humana, mas como cérebro, resistente apesar do rolo compressor da escravidão”, escreveu o antropólogo Kabengele Munanga, nascido na República do Congo e naturalizado brasileiro desde 85. “Um povo sem memória é um povo sem identidade”.