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INCLUSÃO E CIDADANIA

Alunos egressos da Uepa participam de tradução histórica da Constituição Federal para a língua indígena Nheengatu

A chamada Língua Geral Amazônica é o único idioma descendente do tupi antigo que ainda permanece vivo atualmente

Por Monique Hadad (UEPA)
10/08/2023 14h02

Um passo significativo na promoção da inclusão e da igualdade de oportunidades para os povos indígenas. Assim pode ser definida a primeira Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, traduzida do português para uma língua indígena: o Nheengatu. Patrocinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a nova versão da Carta Magna, disponível para download aqui, foi lançada no dia 19 de julho, no município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, em uma cerimônia realizada na maloca da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn).

O Nheengatu é chamado de Língua Geral Amazônica - devido à sua vasta quantidade de falantes - e é o único idioma descendente do tupi antigo que ainda permanece vivo atualmente. Ele possui a prevalência de vogais e é difundido, principalmente, por meio da oralidade. Seus traços também o relacionam com o tupi falado na costa brasileira.

A tradução da Constituição Federal (CF) ocorre na Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032), instituída pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), com o objetivo de chamar a atenção mundial sobre a situação crítica de muitas línguas em perigo de desaparecimento e a necessidade de usá-las e preservá-las para as gerações futuras.

O trabalho de tradução foi realizado por um grupo de 15 indígenas bilíngues da região do Alto Rio Negro e do Alto Tapajós. Entre eles, estão George Borari, egresso do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar Indígena (PPGEEI) da Universidade do Estado do Pará (Uepa), e Gedeão Arapyũ, egresso da Licenciatura Intercultural Indígena e aluno do PPGEEI.

Participação Valiosa - George Edson Sardinha, 39 anos, é pertencente ao povo Borari, de Alter do Chão, em Santarém. É professor de Língua Nheengatu e, atualmente, trabalha com o ensino de Matemática e Física, no Sistema de Organização Modular de Ensino (Some). Ele afirma que a tradução da Constituição para o Nheengatu durou cerca de dois meses, período em que ocorreu a escolha dos tradutores que atuariam no projeto, a divisão de tarefas, compreensão de texto e revisão do material.

“Fazer parte desse projeto foi maravilhoso, pois significa muito para nós, povos indígenas. Esse trabalho de tradução é muito importante para conhecermos as leis do Brasil e os nossos direitos, além de ser algo significativo para o fortalecimento linguístico e valorização das línguas indígenas do Brasil”, ressalta George.

A tradução foi realizada de forma linguística e cultural de termos e conceitos importantes para os falantes do Nheengatu, os quais ocupam terras localizadas na fronteira entre Brasil, Colômbia, Peru e Bolívia. “Muitos termos da CF 88 permaneceram na Língua Portuguesa e outros foram adaptados ao Nheengatu. Muitas palavras foram explicadas ao longo da tradução dos capítulos e dos artigos”, explica o professor.

Na visão de George, a formação no mestrado em Educação Escolar Indígena, pela Uepa, foi um diferencial, pois “possibilitou olhar de maneira profunda vários aspectos da legislação e também credenciou para dialogar através do conhecimento com a equipe jurídica de consultores (advogado, juízes e desembargadores)”.

Foi a convite de George Borari que Gedeão Arapyũ, indígena pertencente à região do Baixo Tapajós, também teve a oportunidade de participar da tradução da Carta Magna. Na sua visão, o projeto é fundamental para o fortalecimento da língua indígena. “Desde o ano 2000, eu ministro oficinas e cursos para ensinar o Nheengatu a jovens e adultos, de modo geral. Esse trabalho inédito convocado pela Suprema Corte, sem dúvida, impulsiona a nossa atuação na região e no Brasil como um todo”, destaca o professor, que também faz parte da Academia da Língua Nheengatu, que luta pela difusão e valorização do idioma.

Conforme Gedeão, foi um desafio realizar a tradução, devido ao período destinado à execução, de apenas dois meses. “Nós corríamos contra o tempo e ao mesmo tempo sabíamos da importância do trabalho, que ficará marcado para o ensino. Além de ser um material utilizado como base legal, vai ajudar muito no estudo da língua indígena. Por isso, para nós, esse projeto foi muito importante”, assegura.

O respeito à diversidade cultural é outro ponto importante quando se mantém os sistemas linguísticos por meio de ações como a tradução da Carta Magna para o Nheengatu, pois, segundo Gedeão Arapyũ, “um povo sem língua indígena é um povo que, praticamente, perde parte da sua cultura”. Devido a isso, traduzir a CF “representa um passo muito largo nos aspectos cultural e linguístico, para o fortalecimento de uma política linguística nacional”.

Marco Emancipatório - A professora Antonia Negrão é vinculada ao Núcleo de Formação Indígena (Nufi) da Uepa e atua na formação de professores indígenas e não indígenas. Para a docente, este é um momento “extremamente significativo para os povos indígenas, pois a Constituição Federal é um marco emancipatório para os direitos dos povos da floresta. É a partir da CF, em seu artigo 231, por exemplo, que os povos indígenas têm sua organização social, seus costumes, línguas, crenças, tradições, e o direito à terra, reconhecidos”.

Antonia acredita que a tradução da Lei Maior da sociedade brasileira para a língua Nheengatu abre caminhos importantes para que outros povos também possam ser contemplados e reconhecidos em seus direitos.

“Vivemos em um país plurilíngue onde, aproximadamente, 180 línguas indígenas são faladas. Um país onde os povos da resistência têm buscado combater anos de colonialidade do ser, do saber e do poder. Ter a Constituição Federal traduzida para a língua Nheengatu traz visibilidade às línguas indígenas, nos mostra que muitas outras línguas são faladas em nosso território nacional. Desta forma, há a urgência de discutirmos políticas linguísticas que reconheçam a existência dessas línguas, que expressam, comunicam e refletem toda a nossa diversidade linguística”, conclui.