Governo inaugura Liceu de Música; um presente para Bragança no mês da Marujada
A inauguração do Liceu de Música de Bragança, neste dia 15, pode ser entendida como acontecimento de rotina de governo, mas a entrega das instalações, que ocupam um prédio da primeira metade do século passado, e um teatro contemporâneo, tem um significado para além dos acontecimentos de agenda da administração pública.
A Bragança de 400 anos ferve neste dezembro com a sua Marujada - a emblemática festa folclórica anual (inicia em 18 de dezembro e vai até o dia 26). A inauguração acontece em meio ao fervilhamento da música, teatro, dança, religiosidade popular. Não haveria melhor presente à cidade de mais de 400 anos, às margens do Rio Caeté, onde se assiste, neste dezembro, ao festival cheio de história e tradições populares.
Quem passa em frente ao Liceu, localizado num privilegiado quadrilátero do centro da cidade (delimitado pela Travessa Senador José Pinheiro; Rua Justo Chermont; Travessas Floriano Peixoto e Cônego Miguel), perto do rio, admira a obra de restauro do prédio histórico, mas poucos moradores sabem qual seu destino, embora sejam claros os sinais do prédio renovado e do edifício todo envidraçado, aos fundos.
No próximo sábado (15), o liceu (obra executada com recursos do Estado, por meio da Secretaria de Estado da Cultura - Secult) será inaugurado para abrigar um projeto único no Norte. Inspirado em experiências semelhantes na Venezuela, Bahia e São Paulo, tem o propósito de inserir jovens estudantes da rede pública no mundo da arte.
O governo resgatou o prédio de arquitetura eclética com traços art déco, inaugurado em 1931 para ser escola primária, e deu um destino também educacional, mas com outra dimensão. “A restauração e reabilitação têm uma dupla relevância para Bragança: primeiramente, o novo uso continuará sendo o da formação, como um autêntico Liceu da Música, que confirmará a vocação genuína do município. Segundo: resgata um prédio de importante valor arquitetônico e de grande carga simbólica”, diz o secretário de Estado de Cultura, Paulo Chaves Fernandes.
Preservação
O projeto revitaliza o sítio do centro de Bragança, recheado de edificações comerciais, públicas e residenciais de real significado arquitetônico, simbólicos para a história local. A intervenção na antiga Escola Monsenhor Mâncio Ribeiro foi profunda. Os traços arquitetônicos originais foram preservados; agora, o prédio abriga 10 salas de aula de música, equipadas com recursos acústicos por tipo de instrumento e mobiliário adequado aos estudos; o porão foi rebaixado para ampliar os espaços pedagógicos e de apoio - além das salas da administração; ganhou cozinha e refeitório; foram instaladas rede de monitoramento de câmeras e de combate a incêndio.
O teatro, com 237 lugares, é um prédio moderno que dialoga com a arquitetura dos anos 1930. Revestido com um pano de vidro na lateral, o edifício parece um espelho gigante a refletir as histórias e tradições bragantinas simbolizadas pelo elegante edifício, que nasceu para ser escola e como tal continua. O teatro tem toda a infraestrutura de apoio aos espetáculos; o hall de entrada, com café e mezanino, é espaçoso e confortável.
Ao contemplar preservação histórica, restauro arquitetônico numa só concepção, servindo de plataforma para atividades culturais de inserção social de jovens estudantes da rede pública, valoriza as tradições artísticas de Bragança. Na imaginação do secretário Paulo Chaves, é um conjunto capaz de fazer, “no campanário da Matriz, os sinos dobrarem; e os velames, multicoloridos, encenarem um novo amanhecer da cultura bragantina à margem do Caeté”.
A proposta do liceu é abrigar estudantes de toda a região nordeste do Estado, “que têm uma identidade musical muito forte e tradições folclóricas relevantes, como a Marujada, Retumbão, Carimbó, Siriá além das novenas recitadas em latim”, destaca o secretário. Não se destina à formação acadêmica, mas ao ensino livre da música. Entretanto, terá a vocação para trafegar em todas as áreas da cultura, devendo dialogar e fazer parcerias com outras instituições, notadamente a Universidade Federal do Pará, presente em Bragança, e a Fundação Carlos Gomes.
Expectativas
O mundo artístico e educacional de Bragança aguardava a conclusão da obra com ansiedade. E recebe o liceu como um presente. Para a secretária de Cultura do município, Fabrícia Pereira, é um reconhecimento à “bragantinidade deste celeiro de artistas que temos aqui, que nos dá muito orgulho. Vai fortalecer as atividades culturais do município”.
O liceu será entregue na forma de obra acabada e de com uma idealização pedagógico-cultural a ser implantada com seu funcionamento. A comunidade local está atenta ao momento de transição do governo. A secretária registra que esse é um ponto de atenção importante, ressaltando ser preciso, independente de política, um diálogo com a administração municipal no que se refere aos projetos pedagógico, cultural e administrativo: “Qualquer que seja a utilização do liceu, será preciso uma parceria com a prefeitura”, diz Fabrícia.
O meio educacional também está interessado nessa iniciativa do governo do Estado. A professora Irany Araújo, diretora da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Bolívar Bordalo da Silva, diz que “o liceu é muito esperado. Se vai atuar na cultura, deverá falar com a educação. As escolas poderão dialogar e fazer parcerias. Mas isso dependerá de quem estiver à frente”, diz a diretora.
A escola Bordalo tem uma experiência apreciável de música e teatro, sob a batuta do professor Toni Soares, um dos mais destacados compositores e intérpretes da música de Bragança. Ele espera levar suas experiências com os estudantes para dentro do liceu. “Esse primeiro liceu da Amazônia é uma grande iniciativa porque contempla uma cidade rica culturalmente em todas as áreas – musical, teatral, das artes plásticas, gastronômica. E ratifica o que a gente vem trabalhando há muitos anos”, diz o artista e professor.
Toni avalia que o liceu será um espaço para preservar e ampliar a documentação das manifestações musicais folclóricas; além dos ritmos indígenas e os que vieram da Europa, como a Mazurca.
“O Retumbão, dançado na Marujada, ainda não está em partitura; são passados de forma oral. Então, o liceu dará oportunidade para se colocar esses ritmos no papel e eternizar essa sonoridade que só Bragança tem”.
Ele acrescenta que, assim, “o Estado cumpre com o seu papel de tutor”. Ele tem a convicção de que “isso tem que acontecer em outros cenários: Santarém, Vigia, Cametá, também ricos de sonoridades, destacando-se as bandas de música. O governo tem que espalhar liceus por todo o interior”, recomenda o músico. Representando o meio artístico, Toni vaticina: “O liceu pode acolher todas as manifestações culturais – o teatro, o cinema, as artes plásticas – de Bragança. Ele chega para cumprir esse papel”.
Para os integrantes da Irmandade São Benedito, promotora da Marujada, o liceu chega como garantia de continuidade da tradição, ao renovar o elenco de músicos tocadores de rabeca: “O liceu é muito importante para Bragança, principalmente para a Irmandade São Benedito, porque temos um déficit muito grande de rabequeiros; os jovens acabam não tendo muito incentivo para continuar no ofício de tocador; são poucos, e sempre no final do ano temos dificuldade para conseguir músicos para tocar a Marujada. Com o liceu, acredito que se possam formar continuamente músicos que possam atuar não só na Marujada, mas em outras manifestações culturais de Bragança e região”, diz Josinaldo Reis, presidente da Assembleia Geral da Irmandade da Marujada do Glorioso São Benedito de Bragança.
E o secretário Paulo Chaves, no seu arranjo poético, acrescenta: “Afinal, esse lugar vai imantar, sem hierarquias, censuras e preconceitos, o fazer artístico contemporâneo, mas sem perder a alma e as raízes ancestrais. Arranha as cordas o mestre da rabeca, entoando o Retumbão. A Marujada dança e pede ao santo (São Benedito) que vele por nós. Aliás, há que se desconfiar dos santos que não gostam de festa, nem sabem dançar”.
Então, por todos os santos, Bragança dança e festeja.