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Ações do Governo do Pará reforçam o combate à luta antimanicomial

O Pará tem 87 Centros de Atenção Psicossocial (Caps), voltados para o acolhimento e assistência humanizados às pessoas com transtornos mentais

Por Carol Menezes (SECOM)
18/05/2021 16h58

Com a validação da portaria 336/2002, há quase 20 anos o Brasil acabou com os hospícios e manicômios, que foram substituídos pelos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), voltados ao acolhimento e assistência humanizados às pessoas com sofrimentos mentais ou necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas. A data de hoje, 18 de maio, Dia da Luta Antimanicomial, é um marco desse movimento, e de reforço sobre a necessidade de garantir tratamento digno e de qualidade à população, bem como de engajamento dos profissionais da psicologia e psiquiatria que atuam nessa frente.

O Pará conta com um total de 87 unidades do Caps espalhadas por todas as regiões, sendo que nove delas estão em Belém e outras cinco nas demais cidades da Região Metropolitana. Alguns centros tem especificidades de atendimento: infanto-juvenil, álcool + drogas, possibilidade de acolhimento por até 30 dias (15 + 15), funcionamento 24h, etc.

Rede - Vera Fonseca, psicóloga e técnica da Coordenação Estadual de Saúde Mental da Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa), explica que os Caps são municipalizados, e portanto cabe às gestões de cada município a execução dos serviços e atendimentos tanto para situações de sofrimento mental (angústias, depressão, etc) e transtorno mental.

"A Sespa gerencia a política estadual de saúde mental, fazendo a interlocução, o monitoramento, a fiscalização, a orientação de como habilitar um novo Caps", detalha. A capital paraense realiza cerca de mil atendimentos por mês em todas as suas unidades, mas esse quantitativo está em tendência de queda, por causa da pandemia.
  
Acolhimento - Quando o paciente não tem condições de voltar imediatamente para casa após o atendimento ou tratamento, pode ser acolhido em uma das oito vagas disponíveis nos Caps III, que são as unidades específicas em condições de abrigar pacientes por até 15 dias, com possibilidade de renovação de permanência por igual período de tempo. 

"Inclusive não usamos o termo 'internação', porque de fato trata-se de uma acolhida para pessoas que estão em crise, que precisaram ir pro Hospital de Clínicas Gaspar Vianna, fizeram atendimento de urgência para sair da crise, mas por algum contexto conflituoso, não podem retornar naquele momento ao lar - seja por uma dificuldade com pessoas da família, vizinhos, seja pela facilidade de acesso a álcool e drogas, se for o caso. Então ele permanece no plano terapêutico individual até o momento da alta", detalha Vera.

"Por isso é tão importante as redes de apoio, de familiares, de amigos, de vizinhos, no cuidado a quem convive com o sofrimento psíquico", destaca.

Sem estigmas - O médico psiquiatra Dirceu Rigoni atende a pacientes no HC e faz questão de contribuir para desestigmatizar o papel do profissional da Psiquiatria como apenas um prescritor de medicações. 

"Estamos falando de um serviço que compreende o que são os diversos transtornos mentais, de maneira a ter empatia pela situação e flexibilidade quando necessário. Igualmente importante é ser um serviço resolutivo e que tenha capacidade técnica, estrutural e organizacional de lidar com as múltiplas dificuldades que os pacientes apresentam, entendendo que o adoecimento não é algo apenas biológico, mas psicológico e social", analisa. 

Esses dois pontos não se limitam apenas aos serviços públicos de saúde. No entendimento de Dirceu, é igualmente importante que todo serviço público perceba sua importância neste processo de inserção do paciente, por vezes gravemente acometido por algum transtorno mental, na sociedade, proporcionando o máximo possível de independência para reger sua vida. 

Demanda - Ele confirma que, durante a pandemia, houve um aumento da procura de atendimentos psiquiátricos e/ou psicológicos, um fato já confirmado inclusive pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que considera como quarta onda da atual pandemia o adoecimento mental de todos os níveis da sociedade. 

"Na prática, vejo este reflexo nos atendimentos da emergência psiquiátrica do Estado, onde houve um aumento considerável de procura, tanto por adoecimento novo quanto pelo tamanho da rede de atenção em saúde mental que ainda não chega a todos os municípios", relata. Essa procura vem dos mais diferentes perfis econômicos.

"Quando há uma crise financeira, de certa forma generalizada em decorrência de acontecimentos tais quais a pandemia, é natural que pessoas que em outros momentos seriam cobertas por planos de saúde ou rede particular, acabem recorrendo ao Sistema Único de Saúde (SUS). E mesmo planos de saúde são carentes no atendimento em saúde mental, havendo dificuldade em encontrar atendimento médico-psiquiátrico para os segurados", lamenta o psiquiatra.

Histórico - Jureuda Guerra, presidente do Conselho Regional de Psicologia do Pará e Amapá 10ª região (CRP 10) e psicóloga da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, começou a participar do movimento da luta antimanicomial ainda como acadêmica de Psicologia, em 1992. Ela lembra que até o fim da década de 80, o Hospital Juliano Moreira, que funcionava na Av. Almirante Barroso, onde hoje funciona um dos campus da Universidade do Estado do Pará (Uepa), foi uma referência para pacientes psiquiátricos - posteriormente transferidos, à altura de seus 30, 40, 50 anos, quando o prédio pegou fogo, para outro local, onde permaneceram institucionalizados.

"Boa parte foi para o Centro Integrado de Assistência Psiquiátrica do Pará (Ciaspa), em Ananindeua. Mas depois, não faz muito tempo, houve uma movimentação para estimular, mediante uma pequena renda, que parte desses pacientes voltasse para casa, auxílio esse cortado pelo governo federal em 2020, quando foram revogadas mais de 100 portarias ligadas à saúde mental", lamenta Jereuda. Atualmente, o Pará conta com apenas uma residência terapêutica, vinculada ao Caps Amazônia, localizada no bairro da Marambaia.

O interesse pelo tema tem início no momento em que Jereuda se torna estagiária do hospital Pedro Ernesto, no Rio de Janeiro, vinculado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e lá ela conhece a psiquiatra Nise da Silveira (1905-1999), assim como outras pessoas que influenciaram na reforma psiquiátrica. Também passou dois anos na Itália, em Trieste, que inspirou o movimento que mudou a forma de tratar pacientes psiquiátricos no Brasil.

"O processo da escravidão no Brasil e depois a Lei Áurea que, teoricamente, liberou os escravos, na verdade os largou à própria sorte. Ao álcool, às ruas, sem possibilidade de trabalho, já que os imigrantes eram priorizados pela indústria cafeeira, e os negros discriminados. Então eles foram aglomerando em hospícios e manicômios. Havia um direito previsto na Constituição Brasileira de 1946 que permitia ao marido simplesmente mandar internar esposas inconformadas que descobrissem suas infidelidades ou perversidades. E isso na década de 40. Não faz tanto tempo assim", contextualiza Jereuda.

Para ela, o Brasil começou tardiamente a tratar com seriedade o tema. "Recebemos muitos pacientes que podem ter sofrido violência sexual na infância, violência doméstica, conjugal, e a gente só medicaliza. No atendimento psíquico, pouco se fala disso. Tudo na saúde mental é meio experimentado, é preciso parar para olhar isso, situações de violência e vulnerabilidade que podiam ser bem diferentes", pondera a psicóloga.