Operação de guerra impede o avanço da febre amarela no oeste paraense
O cerco à febre amarela, endemia cuja propagação vem sendo contida ao longo de todo o recorte do Rio Amazonas, tanto na Calha Norte quanto ao sul, lembra uma operação de guerra. A infantaria dessa batalha é composta por agentes de saúde, médicos, veterinários, pilotos, policiais e bombeiros. É um batalhão de servidores públicos embrenhado nas matas adjacentes aos locais onde a doença desfalcou quatro famílias. Eles têm a missão de impedir novos óbitos. A munição da vida são as vacinas. Nesta sexta-feira (31), vinte e cinco mil doses chegam ao oeste do Pará, reforçando o poder de fogo da imunização.
O acesso a alguns desses lugares não é fácil. Há comunidades minúsculas encravadas no meio da floresta, onde crianças, jovens e adultos vivem e trabalham sem informação, sem precaução sanitária, sem prevenção ao “inimigo”. Os vilões são os mosquitos que habitam a copa de árvores e precisam do sangue de primatas – humanos ou macacos – para manter o ciclo de reprodução.
O adoecimento de macacos é um sinal de alerta para as autoridades de saúde. A morte desses animais, que convivem com os insetos no mesmo hábitat, acende o sinal vermelho. O diagnóstico, após exame sorológico feito pelo Instituto Evandro Chagas e confirmada a febre amarela, é o estopim de operações emergenciais como a que está sendo realizada há três semanas no lado esquerdo do território paraense.
A ocorrência de quatro casos em humanos, que infelizmente vieram à óbito, transforma a ação numa verdadeira operação de guerra. A Secretaria de Estado de Saúde do Pará (Sespa) mapeou as áreas de risco, a partir de Alenquer e Monte Alegre, cidades de origem das quatro vítimas fatais da doença: duas crianças e dois jovens. Nenhuma delas era vacinada e todas foram infectadas durante incursões em mata fechada, na zona rural daqueles municípios.
Monitoramento - Desde que o Evandro Chagas confirmou a primeira morte de macaco por febre amarela, a Sespa começou a desenhar o raio da ação preventiva que culminou com a operação de emergência agora em curso, em que foram vacinadas 10 mil pessoas em apenas três dias.
Ao mesmo tempo em que age nas cidades de Monte Alegre, Alenquer, Curuá e Oriximiná, a Secretaria monitora casos de primatas mortos nos quatro cantos do Pará. De Santana do Araguaia a Salinópolis, de Concórdia do Pará a Rurópolis, ao longo das grandes rodovias Santarém-Cuiabá e Transamazônica, no curso dos rios Xingu, Amazonas e Guamá, e até mesmo na região metropolitana de Belém.
“Todas as mortes de macacos são registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Daí partimos, então, para a investigação. É claro que nem todo animal morto foi vítima de febre amarela, mas é preciso ficar vigilante. Mesmo sem o diagnóstico confirmado para a doença, imediatamente se faz o cerco preventivo, como o que estamos fazendo no oeste do Pará, imunizando as populações vulneráveis”, diz o médico veterinário Fernando Esteves, que coordena o grupo de trabalho de Zoonoses da Sespa.
Nos últimos dias, as equipes de saúde, com apoio da Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, Defesa Civil, Grupamento Aéreo de Segurança Pública (Graesp) e prefeituras locais, tentam isolar as ocorrências com vacinação em massa, borrifação nas casas, orientação e assistência médica aos moradores da região, sobretudo na zona rural. O raio dessas ações se desdobra pelo entorno de lugares considerados críticos, desenhando uma espiral de proteção sanitária.
Emoção - A estratégia da Sespa, além de fechar o cerco nessas áreas e estender o trabalho a leste, oeste, norte e sul, com ações de vigilância nas regiões passíveis de propagação da endemia, é mapear a rota do vírus no Pará. “A única forma de prevenção é a vacina, levada por nossas equipes para as pessoas que estão no caminho previsível da doença”, diz o biólogo Alberto Soares, do 9º Centro Regional de Saúde, da Sespa, com sede em Santarém. Ele é um dos soldados na linha da frente da guerra contra a endemia, executando ações tão díspares entre si quanto importantes, do fumacê à educação em saúde.
Esse trabalho desgasta, mas também emociona. A secretária-adjunta de Saúde, Heloísa Guimarães, envolvida com o problema desde o primeiro momento, fala sobre vitórias e derrotas na guerra contra a endemia, uma das doze doenças sazonais que, ano após ano, ganham relevo no Pará. Isso ocorre porque o Estado tem condições climáticas propícias ao ciclo das infecções e dimensões continentais refratárias ao controle.
Um dos casos que mais comoveram as equipes alocadas em Alenquer foi o do menino de 10 anos que não resistiu à doença. “Conseguimos contatar a família. Vacinamos a mãe e os irmãos. Agendamos a imunização dele, que acompanhava o pai, trabalhando mata adentro, mas, infelizmente, o garoto foi infectado nessa incursão, dois dias antes de ser imunizado. Não conseguimos salvá-lo”, lamenta.
Assim como o menino, na zona rural de Alenquer, há centenas de pessoas alojadas em pequenas clareiras dentro de uma enorme plantação com dois milhões de pés de açaí. Em hiatos abertos na mata pelos trabalhadores da plantação, a rotina é vivida no desconforto vulnerável de choupanas, cobertas de palha, entrelaçadas em pau-a-pique ou fincadas em madeira velha, repletas de frestas convidativas para os vetores e depositários do vírus da febre amarela: as fêmeas do mosquito Aedes aegypti.
Rapel – Para acessar as áreas de difícil acesso, as equipes usam todos os meios de transporte possíveis: bicicletas e motos, caminhonetes e “voadeiras”. A aeronave do Grupamento Aéreo de Segurança Pública (Graesp) leva as vacinas aos locais mais precários. Muitas vezes, é preciso descer de rapel do helicóptero posicionado sobre as comunidades mais recônditas, para garantir a vacinação de todos.
“Guerra é guerra”, resume o major PM Mauro Maués, um dos pilotos do Estado que transportam as milhares de doses de vacina levadas aos rincões da floresta para garantir a vacinação de cada habitante daquela região. “Não vamos descansar enquanto o surto não estiver plenamente contido”.
Responsável pelo carregamento de vacinas, o diretor de Endemias da Sespa, Bernardo Cardoso, foi buscar as doses de reforço em Brasília e, nem bem pôs os pés no aeroporto de Belém, já embarcou no avião do Graesp rumo a Alenquer. Durante as quase três horas de vôo, ele não escondia a ansiedade. “Cada segundo é determinante para a contenção dessa doença. Temos uma missão e vamos cumpri-la”, garantiu.
Texto: Luiz Carlos Santos e Paulo Silber