Estado apoia comunidade LGBT na luta por direitos e inclusão
Em pleno século XXI, a população LGBT do Brasil, ainda se ressente de uma legislação específica que lhe garanta os direitos básicos. Em nível nacional, um decreto federal assegura ao segmento o uso do nome social e uma portaria do Ministério da Saúde determina a oferta, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), do processo transexualizador – que permite adequar o corpo à identidade de gênero.
Pelo decreto nº 8.727, de 28 de abril de 2016, travestis e transexuais têm o direito de usar o nome social no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Na prática, esse grupo passou a ter o nome social respeitado, enquanto servidores em órgãos públicos e ao participarem de processos seletivos, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Por outro lado, as principais bandeiras dos movimentos LGBT enfrentam resistência no Congresso. É o caso da proposta de criminalização da LGBTfobia - atos discriminatórios baseados na orientação sexual ou na identidade de gênero de uma pessoa. Essa medida, juntamente com a aplicação de penas mais duras a quem praticar agressões motivadas por intolerância, poderia reduzir o alto índice violência contra essa população. Para se ter uma ideia, o Disque 100, canal para denúncias de violações contra o segmento, mantido pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH), registrou 1.792 agressões em 2014.
“Nossas obrigações são iguais às de todas as pessoas, mas nossos direitos não, precisamos sempre lutar para vermos eles respeitados”, afirma Rafael Ventimiglia, do Conselho Estadual da Diversidade Sexual do Movimento LGBT do Pará.
Para a defensora pública Juliana Oliveira, coordenadora do Núcleo de Defesa de Direitos Humanos e Ações Estratégicas (NDDH), de fato, a falta de leis específicas ou a escassa menção à população LGBT na legislação brasileira coloca alguns obstáculos na responsabilização de tais crimes, mas não obstrui a atuação jurídica na defesa deste grupo social.
“Pela Constituição Federal, todos somos iguais perante a lei e por isso todos temos direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, livre de qualquer distinção, e é esta ideia que deve predominar sobre toda a legislação brasileira de forma que não seja feita uma interpretação excludente das leis já existentes mas, sim, inclusiva, especialmente em relação à população LGBT, como é o caso da Lei Maria da Penha que, pela mesma lógica, vem sendo gradativamente aplicada no caso de mulheres transexuais”, avalia.
Essa última medida já vale no país, por conta de uma decisão do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais, que instruiu juristas à aplicação da lei que coíbe a violência doméstica para as mulheres, no caso de mulheres transgênero também.
A defensora acredita, ainda, que haja uma subnotificação dos crimes cometidos contra a população LGBT, porque na falta de uma lei específica, as denúncias acabam entrando no rol dos crimes comuns. “Essa escassez de dados oficiais implica na não sensibilização dos legisladores quanto a esta demanda, uma vez que fica oculta a urgência de tais medidas”, ressalta.
Avanços
No âmbito estadual, algumas iniciativas têm avançado. O ‘Relatório de Violência Homofóbica no Brasil: Ano 2013’, produzido pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, aponta que alguns estados têm conseguido progredir nas políticas públicas voltadas à população LGBT. Esse é o caso do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e do Pará.
Uma das principais conquistas da população LGBT no Pará foi a possibilidade de poder se identificar pelo nome social, por meio de uma carteira expedida na Delegacia Geral de Polícia Civil. Além da capital, o serviço está disponível em outros 17 municípios, incluindo polos como Marabá, Parauapebas e Santarém. Desde 2015, quando teve início a emissão da carteira social, até o momento já foram expedidas 320 carteiras.
Outra conquista foi o Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais, único em toda a Região Norte a fazer o acompanhamento de pessoas trans com tratamento multidisciplinar, incluindo equipe de psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, fisioterapeuta, fonoaudiólogo e endocrinologista. Atualmente, 180 pessoas recebem esse atendimento.
Em 2015, foi aberto pela primeira vez ao público LGBT o acesso ao Credcidadão, um programa de microcrédito que impulsiona os micros e pequenos empreendimentos no Estado. A Companhia de Habitação do Pará (Cohab) também incluiu o público LGBT no processo de emissão do Cheque Moradia, dentro da política habitacional que garante assistência a grupos específicos. O trabalho é feito em parceria com a Secretaria de Estado de Direitos Humanos (Sejudh). No ano passado, 60 famílias LGBT foram atendidas. Este ano, a previsão de atendimento é de 100 famílias.
No Pará, a população LGBT já contou com a promoção de Cerimônias Coletivas de Casamento Civil Homoafetivo e, ainda, com uma ala exclusiva para trans reclusos, com direito à visita íntima.
O Estado tem investido também na capacitação de servidores que atuam no atendimento direto ao público LGBT, com o objetivo de sensibilizá-los quanto à importância de assegurar os direitos e o respeito a essas pessoas. E nesse aspecto, criou a Delegacia de Combate aos Crimes Discriminatórios Homofóbicos (DCCDH), que no ano passado, acolheu 55 registros e, só nos quatro primeiros meses deste ano, atendeu 30 casos de violência.
Mídia
Este mês, o governo do Estado promove a Campanha de Combate à LGBTFobia, com o objetivo de chamar a atenção da sociedade para o combate à violência contra esse segmento. Com mote “Diversidade. Eu respeito. E você?”, a ação conta o envolvimento de todos os órgãos da administração direta e indireta em uma programação pautada nesse tema.
“A violência contra a população LGBT é uma questão que nos preocupa bastante, sobretudo com relação ao desrespeito à diversidade, que podemos ver nos números já registrados pela Delegacia de Combate aos Crimes Discriminatórios Homofóbicos. Assim, quando você chama a sociedade para discutir esse assunto, você coloca como prioridade essa parcela da população que até então se encontrava invisível para a maioria das pessoas”, avalia o titular da Sejudh, Michell Durans.
Para a coordenadora do NDDH, defensora pública Juliana Oliveira, o caminho é focar nas situações e nas condições sociais nas quais que se encontra essa população. “A inclusão dessas pessoas é uma das formas mais eficientes de se humanizar a questão e despertar a empatia da população em geral, dissolvendo, assim, o preconceito e a intolerância. Por isso, campanhas como essa são muito bem vindas, pois, produzem um resultado positivo. É uma forma de dar visibilidade àquilo que a sociedade marginaliza e estigmatiza, e reconhecer, em caráter oficial, que esta população merece e precisa viver com dignidade”, completa.
No aspecto do respeito aos direitos dessa população, afirma a defensora, a mídia possui um papel fundamental. “É fato que a mídia é um importante instrumento na defesa das minorias e na promoção de representações positivas, bem como de informação, sobre a vivência e as demandas do público LGBT. Por isso é fundamental que ela não priorize narrativas policiais que reforçam a marginalização dessas pessoas, mas tenha o foco no questionamento das condições estruturais responsáveis pela LGBTfobia”, diz.