Detento de Marabá recebe autorização inédita da Justiça para ingressar na universidade
Aos 31 anos e apenas no início da vida universitária, essa é a primeira vez que Wendel Lima, interno no Centro de Recuperação Agrícola Mariano Antunes (CRAMA), entende a importância da educação. Condenado a 13 anos de prisão, ele decidiu concluir o Ensino Médio na unidade prisional e tentar o Exame Nacional de Ensino Médio para Pessoas Privadas de Liberdade (Enem/PLL). O resultado veio na segunda tentativa, quando Wendel foi aprovado na Universidade Norte do Paraná (Unopar), no curso de Tecnólogo em Gestão Pública com bolsa integral.
Mas, ingressar na universidade foi apenas a primeira batalha. Com uma pena alta e ainda cumprindo regime fechado, Wendel precisava da autorização da Justiça para frequentar as aulas, que iriam ocorrer uma vez por semana, sempre às quintas-feiras, por meio do sistema de Educação à Distância (EAD).
A Superintendência do Sistema Penitenciário (Susipe), através de um defensor público, solicitou um pedido provisório para que o interno pudesse acompanhar as aulas. A decisão favorável da Justiça animou coordenadores e professores do CRAMA. “Foi uma surpresa ele ter ganhado a autorização. Toda a história do Wendel é muito surpreendente. Ele chegou aqui muito agressivo e quando começou a estudar o comportamento mudou. Percebemos o grande potencial que ele tinha. Após concluir os estudos, passou a trabalhar de manhã e à tarde participava do cursinho pré-Enem, pedia livros emprestados da biblioteca e se dedicava muito”, lembra Zélia Borges, professora de Língua Portuguesa e Literatura do CRAMA.
O juiz titular da Vara de Execução Penal da comarca de Marabá, Geraldo Neves Leite, foi quem concedeu a autorização. Apesar de incomum, segundo o magistrado a decisão foi tomada baseada na Lei de Execução Penal (LEP) buscando a reinserção social. “No meu entender, depois de o Estado ter proporcionado educação ao preso, ter permitido que ele realizasse o Enem e de o interno ter estudado e se dedicado, eu não poderia negar a ele o direito à educação. Fiz uma audiência com ele e expliquei todas as responsabilidades que ele teria, só então a decisão foi tomada”, explica.
Para manter a autorização Wendel deve participar de audiências bimestrais, nas quais serão avaliadas assiduidade, frequência, notas e todo o desempenho acadêmico. Caso haja algum tipo de descumprimento da decisão, a autorização é imediatamente revogada. A próxima audiência já está marcada e deve ocorrer no dia 21 de julho, quando serão analisados todos os quesitos.
“Fiquei muito feliz quando soube que iria estudar, porque me dediquei muito para conseguir e era um grande objetivo. A sensação foi de sonho realizado. Mas ao mesmo tempo senti uma responsabilidade enorme quando saí do Fórum. Eu percebi que seria um exemplo não só para os outros internos, como para influenciar outras decisões. Estou determinado a fazer com que tudo dê certo”, conta Wendel Lima.
O interno se tornou referência dentro da sala de aula do CRAMA para que outros detentos vejam a educação como a saída para uma vida melhor. “Quando recebemos a notícia foi quase um alivio, pois a gente sempre fala da importância da educação, mas agora o resultado, de que ela pode transformar a história de uma pessoa, está aqui, na nossa frente. Sem contar que para os professores é um retorno do próprio trabalho”, avalia Zélia Freitas.
Universidade
Sem escolta, como previsto na decisão judicial, o interno recebe apoio de outros internos e de colegas da universidade para frequentar as aulas e se sair bem nas matérias. Para chegar até o prédio onde estuda, Wendel usa uma motocicleta emprestada de um detento que já cumpre o regime semiaberto e dos amigos na universidade recebe ajuda quando sente dificuldade nos assuntos abordados.
Já no primeiro dia de aula Wendel decidiu se apresentar à turma e contar a todos que era privado de liberdade. “Assim que cheguei, fui até a secretaria me apresentar e dizer a minha condição. Depois fiz o mesmo em sala de aula, minha intenção era ser verdadeiro com todos e causar o menor mal-estar possível, mas felizmente foi muito diferente do que eu imaginava. Fui bem aceito e recebido na classe e até incluído em um grupo de trabalho pelos colegas”, lembra.
A colega de sala de aula, Vanderleia Ferreira, conta que a notícia a deixou bem apreensiva no inicio, mas logo percebeu não havia motivos para preocupações. “Antes de ter o contato direto com ele, eu fiquei receosa, não vou negar, mas depois vi que ele era uma pessoa dedicada e pra estar aqui ele devia ter merecido, até porque não é qualquer um que consegue entrar numa universidade, principalmente com bolsa integral”, diz.
Desde que iniciou o curso o interno já fez aulas economia, ética, política e sociedade. Com poucos meses de estudo já sonha com o futuro, quer entrar no mercado de trabalho. “Penso em trabalhar em uma secretaria de saúde ou educação, quero poder ajudar o próximo e poder passar adiante o bem que foi feito a mim”, afirma Wendel.
Educação
Em 2014 foram aprovados 36 internos em todo o Estado, pelo Enem Prisional. Além de cinco pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que se baseia nas notas do Enem para oferecer aos candidatos vagas em universidades públicas ou institutos tecnológicos, e três pelo Programa Universidade Para Todos (Prouni), que dá bolsas para que estudantes de baixa renda estudem em instituições privadas, como o caso de Wendel.
O Pará teve 749 inscritos no Enem PLL 2014, com a aprovação de 36 detentos. Este número representa um crescimento de 44% de aprovados no exame, em relação ao ano de 2013, quando somente 25 pessoas atingiram a pontuação mínima.
Das 41 unidades prisionais, 29 têm educação formal de ensino fundamental e médio. Com o programa Educação para Jovens e Adultos (EJA) as aulas ocorrem em circuito de disciplina, cada professor ministra 20 dias de aula e ao final aplica uma avaliação da matéria. No total os internos realizam 200 dias letivos. Além da educação formal a Susipe também oferece cursos profissionalizantes. Somente no CRAMA 190 internos estão matriculados na educação formal.
No Brasil, apenas uma em cada dez pessoas privadas de liberdade desenvolve algum tipo de atividade educacional no país. De acordo com o último levantamento pelo Infopen/Pará, em maio deste ano, o percentual de presos envolvido em atividades educacionais atingiu a marca de 13% (1.687 pessoas), acima da média nacional, que é de 10,7%.
O Pará é o 9º Estado do Brasil com o maior número de presos em cursos de Ensino Superior (8), superando o Rio de Janeiro, Bahia, Amazonas, Rio Grande do Norte e Santa Casa, segundo levantamento do Ministério da Justiça.