Conferência de Direitos Humanos discute a redução da maioridade penal
A redução das desigualdades sociais e a proposta de redução da maioridade penal foram temas que atraíram um grande público para os painéis e a audiência pública realizada nesta terça-feira (28), no segundo dia da VI Conferência Internacional de Direitos Humanos, realizada no Hangar Convenções e Feiras da Amazônia, em Belém. Com o auditório praticamente lotado, todos acompanharam a palestra do jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Dalmo Dallari, que falou sobre a proposta que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, aprovada no final do mês de março pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados.
Desde a aprovação da proposta, diversas organizações declararam ser contra a medida, entre elas a Fundação de Atendimento Socioeducativo do Pará (Fasepa), que integra a Frente Paraense Contra Redução da Maioridade Penal.
Para o jurista Dalmo Dallari, a proposta é inconstitucional. “De maneira geral, vai afetar toda a juventude porque o jovem com 16 anos seria jogado numa cadeia, que é dominada por quadrilhas, e então ele não terá inserção social e será forçado a viver como um criminoso e isso não interessa para a sociedade brasileira”, explicou.
Ainda de acordo com Dallari, deve ser observada e respeitada a Constituição Federal, que garante direitos para todos os adolescentes do país. “A proposta de emenda constitucional pretendendo a redução da idade de responsabilidade penal é claramente inconstitucional, pois agride uma cláusula pétrea da constituição quanto a eliminação de direitos e garantias constitucionais de pessoas com idade entre 16 e 18 anos. A par da injustiça e dos graves inconvenientes sociais que fatalmente decorreriam da aprovação de tal proposta, existe a exigência ética e jurídica de respeitar a supremacia da constituição, fundamento do Estado democrático e de direito. Em defesa dos direitos, da justiça, da dignidade humana e dos mais altos interesses da sociedade deve ser rejeitada com toda a veemência essa proposta antijurídica e antissocial”, finalizou.
Após a palestra do jurista Dalmo Dallari, muitas pessoas apresentaram a sua opinião sobre a proposta, entre eles o jovem de 16 anos e morador do bairro do Barreiro, João Lucas, que participa do Conselho Estadual de Adolescentes, da plataforma de centros urbanos do Unicef e disse ser contra a redução porque a alternativa está no acesso a direitos fundamentais, como a educação.
“As pessoas falam que os adolescentes não são responsabilizados pelos seus atos infracionais, mas não é verdade. O problema é que muitos não conhecem a lei, que às vezes não é aplicada. É muito fácil dizer que você é a favor quando não conhece a realidade dos jovens. Eu vi muitos amigos indo por um caminho diferente do meu e vi as consequências disso”, disse.
Quem também participou da programação foi o jornalista Luís Nassif, que participou do painel que tratou do combate à pobreza e às desigualdades regionais. Para Nassif, a redução da maioridade penal vai levá-los diretamente para o crime organizado, sem direito a uma política pública adequada. “Você pega esse jovem e coloca no presídio sem nenhuma forma de acompanhamento pedagógico. Vai jogar direto para ser aliciado pelo crime organizado. Você tem toda uma política pública de tratamento pedagógico a esse jovem que não é implementada. Se você pega essas políticas, elas servem muito mais para a redução da criminalidade do que essas leis malucas que querem aprovar. Você tem estruturas que foram criadas a partir da lei de 1988, que são os conselhos municipais e estaduais, que é um mecanismo que tem que ser fortalecido”, comentou.
Situação no Pará
Dados da Fasepa apontam que, de 2011 até 2014, foram atendidos 3194 adolescentes nas unidades socioeducativas do Pará, sendo 3022 do sexo masculino e 172 do sexo feminino. No ano passado, 94,92% dos socioeducandos atendidos nas unidades do Estado eram do sexo masculino e 5,07% do sexo feminino, sendo que desse total, 74,25% apresentavam baixa escolaridade - estavam entre a alfabetização e a 2ª série do Ensino Fundamental. Já 20,46% dos adolescentes atendidos pela Fasepa estavam entre a 3ª e 4ª série do ensino fundamental.
Atualmente, 380 adolescentes cumprem medidas socioeducativas nas unidades da Fasepa. Desse total, 232 de internação ou semi-liberdade e 118 estão nas unidades de internação provisória aguardando sentença do juizado.
Segundo o presidente da Fasepa, Simão Bastos, o país precisa investir cada vez mais em políticas públicas para que crianças e adolescentes não entrem na criminalidade e possibilite para eles uma verdadeira transformação social. “A redução da maioridade penal não efetiva uma transformação social na realidade de meninas e meninos de nossa sociedade. Culturalmente o estado brasileiro não está preparado para fazer com que os adolescentes possam responder por crimes como os adultos, isso precisa ser considerado. A nossa trajetória humana diz que precisamos cuidar cada vez mais de nossas crianças e adolescentes e esse acolhimento precisa ser colocado em pauta”, declarou.
A comissão especial da Câmara dos Deputados terá o prazo de 40 sessões do Plenário para dar seu parecer. Após esse processo, a PEC deve ser votada no Plenário da Câmara em dois turnos, precisando de pelo menos 308 votos (3/5 dos deputados) em cada uma das votações.
Depois de aprovada na Câmara, a PEC seguirá para o Senado, onde será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e depois pelo Plenário, onde precisa ser votada novamente em dois turnos. Se o Senado aprovar o texto como o recebeu da Câmara, a emenda é promulgada pelas Mesas da Câmara e do Senado. Se o texto for alterado, volta para a Câmara para ser votado novamente.