Igreja de Santo Alexandre é palco da estreia da ópera "A Ceia dos Cardeais"
Um clássico da literatura lusitana transportado para um cenário deslumbrante. Em cena, “A Ceia dos Cardeais”, do compositor paraense Arthur Iberê de Lemos, que estreou na noite desta terça-feira, 18, tendo por palco a igreja de Santo Alexandre, no bairro da Cidade Velha, em Belém. A montagem integra a programação do XIV Festival de Ópera do Teatro da Paz, promovido pelo Governo do Estado, por meio da Secretaria de Cultura do Pará (Secult). A ópera terá mais duas récitas, nestas quarta, 19, e quinta-feira, 20, no mesmo horário, às 20h. Os ingressos já se esgotaram, mas na quinta, a TV Cultura fará a transmissão direta da encenação.
Antes do espetáculo, o musicólogo Mauro Chantal ministrou a palestra “Da Criação, da Estreia. Do Esquecimento e do Resgate: a Ópera ‘A Ceia dos Cardeais’ de Arthur Iberê de Lemos”, objeto de uma longa pesquisa feita por ele. “O tempo da palestra é pouco para falar do quanto Iberê de Lemos produziu e o quanto sua obra pode ser significativa para a música brasileira. A palestra ajuda a elucidar dados e a situar a obra historicamente através de dados da própria composição”, explicou Chantal, que destacou também a importância da divulgação da obra do compositor paraense.
“O nome de Iberê merece uma atenção permanente, pois grande parte de sua obra ainda não foi divulgada. Após a morte dele, seu trabalho foi aos poucos esquecido, daí a importância de se fazer um resgate desse trabalho, que hoje se encontra disponível na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Considero ‘A Ceia dos Cardeais’ a obra máxima de Iberê de Lemos, portanto o público pode esperar o melhor para a apresentação desta noite”, completou o musicólogo.
Público - A estreia da montagem atraiu um grande público, que lotou a igreja de Santo Alexandre. Os cantores Paulo Mandarino, Inácio de Nonno e Carlos Eduardo Marcos, sob a direção cênica de Mauro Wrona, foram acompanhados pela Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz (OSTP), regida pelo maestro Carlos Moreno. Músicos e figurantes enriqueceram a encenação.
O altar da igreja centenária se transformou numa luxuosa sala do Vaticano, na qual três velhos cardeais lamentam o peso do tempo e relembram seus amores. A trama resume-se às confidências dos três religiosos. Cada episódio lembrado pelos personagens é identificado pela música e representação teatral.
“Frequento o festival de ópera todos os anos, pois sou admiradora de música clássica. Já assisti a várias montagens, mas todas dentro de um teatro. Esta é a primeira vez que assisto uma ópera em um cenário diferente como este, uma igreja histórica que por sua importância e beleza merece ser palco de um espetáculo grandioso. É tudo muito lindo e sempre me emociono”, declarou a aposentada Conceição Furtado, de 75 anos.
Visivelmente emocionada, a autônoma Maria Rita de Souza, de 45 anos, observava atentamente o diálogo entre os personagens. Acompanhada pelo marido, o funcionário público Erlon José de Souza, 43, ela definiu a ópera como uma obra-prima. “A história é linda, os personagens muito bem retratados e o figurino belíssimo. Uma montagem digna dos grandes espetáculos operísticos”, declarou a autônoma.
A aposentada Alice Costa, de 71 anos, observava o cenário do espetáculo com muita atenção. “O espaço é ideal, pois a história trata de religiosos que recordam dos amores da juventude em uma sala do Vaticano, por isso o cenário da igreja é perfeito. Estou maravilhada, não somente com a ópera, mas, principalmente, com este cenário que foi transformado em uma dependência do Vaticano”, comentou Alice.
Ceia - A ópera gira em torno de três personagens: o cardeal Gonzaga de Castro, com 81 anos, de origem portuguesa; o cardeal Rufo, com 73 anos, de origem espanhola; e, por último, de proveniência gaulesa, o Cardeal Montmorecy, o mais novo, com 60 anos. Reunidos em uma luxuosa sala do Vaticano durante o papado de Bento XIV, no século XVIII, eles partilham uma ceia digna da riqueza da Cúria romana. No cardápio, faisão dourado acompanhado de trufas e xerez (vinho branco produzido na região de Andaluzia), servidos em baixelas de prata e ouro.
Os religiosos falam sobre assuntos do cotidiano, como a sucessão papal e, claro, sobre o amor. As falas são excepcionalmente soberbas e comoventes. O espanhol Rufo é o mais exagerado ao relatar suas histórias de amor. O francês Montmorecy exalta as mulheres que já possuiu. O único que não foge da verdade é o português Gonzaga, que revela ter entrado para a Igreja após ter tido uma desilusão amorosa.
Os relatos amorosos evocados no texto representavam o espírito dos países personificados por cada um dos cardeais. No primeiro monólogo, relatado pelo cardeal Rufo, a imagem estereotipada da valentia espanhola; o segundo, do cardeal Montmorecy, corresponde à imagem convencional do espírito francês; e, por último, o episódio amoroso do cardeal português, que reflete bem o sentimentalismo lusitano e, de todos os sentimentos à mesa confessados, acaba por ser o mais verdadeiro.
Serviço: XIV Festival de Ópera do Theatro da Paz - “A Ceia dos Cardeais”, de Iberê de Lemos. Dias 19 e 20, às 20h, na igreja de Santo Alexandre, bairro da Cidade Velha. Ingressos esgotados. Informações: 4009-8759.
(Colaboração de Noely Lima)