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Marcenaria abre caminhos para a ressocialização e qualificação profissional de custodiados

Seap investe, apoia o trabalho e a formação profissional de custodiados, garantindo a mudança de vida e novos caminhos para quem abraça a marcenaria como profissão

Por Ascom (Governo do Pará)
21/03/2025 08h15

A marcenaria é uma das atividades mais antigas praticadas pelo homem, e no decorrer da história das sociedades, seu desenvolvimento ao longo dos séculos representou o próprio avanço social e cultural de muitas civilizações. Hoje ela segue presente no cotidiano, e na Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap), a atividade representa oportunidade de trabalho, atua como meio de ressocialização de custodiados, além de gerar economia para o Estado na fabricação de móveis que atendem a própria secretaria e outros órgãos estaduais.

Na Região Metropolitana de Belém, a Seap oferece em duas unidades prisionais, a Unidade de Custódia e Reinserção do Coqueiro (UCR Coqueiro) e na Unidade de Custódia e Reinserção de Ananindeua (UCR Ananindeua), oficinas de marcenaria artesanal, onde Pessoas Privadas de Liberdade (PPLs), que atendem os requisitos necessários para o trabalho prisional, podem aprender uma nova profissão e iniciar uma nova trajetória de vida por meio do trabalho. 

Essas oportunidades atendem também o que estabelece a Lei nº 7.210, de 1984, a Lei de Execuções Penais, em seu artigo 17, que diz que a "assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado". Uma vez que uma pessoa sob custódia do Estado tem sua liberdade restringida para o cumprimento de sentença, mas não perde seus direitos como cidadão.

Em 2019, a produção total era de 138 peças produzidas na UCR do Coqueiro. Nos últimos anos, com investimentos e incremento de novos equipamentos, a produção deu um salto, chegando em mais de 8 mil peças produzidas nas unidades administradas pela Seap, no período compreendido entre 2019 e 2025.

Outro ponto positivo está na parte econômica, uma vez que além de atender as demandas de móveis para a própria Seap e de suas unidades prisionais, as oficinas também realizam a produção para atender as demandas de outras secretarias e órgãos estaduais. Desde 2022 parte da produção também é comercializada em feiras e eventos onde a secretaria participa.

Os valores arrecadados retornam para a Seap através do Fundo de Trabalho Penitenciário (FTP), sob a Lei 9.079, de 16 junho de 2020, para compra de insumos e na manutenção dos equipamentos. Em 2022 o faturamento foi de R$ 3.500 e, em 2024, aumentou para R$29.955.

Althieres Sousa é o gerente de marcenaria da Seap, e explica que a produção maior da UCR Coqueiro são os móveis planejados para atender a demanda da própria Seap. Na UCR Ananindeua, a fabricação é voltada para peças em madeira e artesanais, e a unidade vem se tornando especialista em móveis de madeira.

“Agora que a gente está entrando também com o treinamento de MDF, já estão dominando algumas coisas simples, porque o objetivo é que não aprendam só a madeira, até porque a madeira agora vai ter um prazo de validade para o uso dela, daqui a um tempo a gente não vai mais conseguir usar somente a madeira. Já no UCR Coqueiro não, já estão bem habilitados no MDF, então mantivemos essa unidade voltada para a MDF, especificamente, para atender a demanda da Secretaria”, esclarece Althieres.

Nas oficinas, a secretaria oferta três funções específicas, a função de marceneiro, a de ajudante e a de voluntário. O voluntário é o custodiado que se oferece para o trabalho e basicamente atua na limpeza do espaço de produção. O marceneiro é o profissional da área e o ajudante é aquele que está sendo capacitado para depois se tornar um marceneiro. “O voluntário também não deixa de ter oportunidade. Se ele quiser, pode entrar no quadro dos que estão sendo treinados até chegar a ser profissionalizado”, assegura o coordenador de marcenaria.

Parcerias - O coordenador de marcenaria revela também que a Seap atua desde o recebimento dos insumos necessários até a produção final. No momento, todos os insumos vêm sendo disponibilizados pela própria secretaria por meio de compra licitatória. Eventualmente a Seap também recebe doações externas de outras secretarias como a de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) ou órgãos públicos federais como o Ibama. As doações funcionam como parceria, com as oficinas fabricando mobília com a madeira doada, como beliches, camas, cadeiras, bancos para alojamento, para atender a demanda da Seap e de outras secretarias.

“São esses insumos que nós usamos na produção dos produtos. O processo funciona da seguinte forma, a secretaria disponibiliza através de compras os insumos, no caso o MDF, por exemplo, e todo material específico para que se possa fazer a fabricação do móvel em si. A produção serve para atender as demandas da própria secretaria: móveis de sala; escritório; copa; o que for necessário. Tudo feito nas marcenarias artesanais, tanto aqui da UCRC como do UCRA”, afirma Althieres.

Capacitação – Além de atender as demandas da Seap, as oficinas são meios transformadores de vida para muitos custodiados, uma vez que quem é selecionado para trabalhar nas unidades produtoras têm abandonado a criminalidade para se tornar um profissional especializado em marcenaria, como atesta o próprio coordenador de marcenaria. Para isso, a secretaria investe na oferta e capacitação através de cursos oferecidos nas unidades de produção.

“Elas têm sido capacitadas através de cursos, onde o setor responsável faz a solicitação dos cursos para capacitar essa mão de obra carcerária, que são as pessoas privadas de liberdade que fazem parte desse projeto da marcenaria artesanal. Ela ainda é considerada uma marcenaria artesanal, sendo que a mão de obra já está se elevando a um perfil profissional, pois o aperfeiçoamento deles, a gente já consegue chegar ao padrão de qualidade do móvel planejado”, assegura o coordenador.

Althieres aponta que futuramente as unidades produtoras venham a atender também demandas externas, mas no presente momento ainda há alguns entraves, como o próprio tempo para a formação dessa mão de obra especializada. Muitos dos custodiados que passam pelas oficinas são beneficiados pela progressão de regime, ou mesmo terminam o cumprimento da pena, e deixam as unidades penais antes de completarem a qualificação profissional.

Mas em unidades de regime fechado como na UCRA, a realidade é bem diferente, pois o tempo de permanência na unidade permite uma melhor capacitação para essa mão de obra. Isso gera um funcionário da marcenaria bem mais capacitado e qualificado. “A marcenaria não só é a parte teórica, e a parte prática conta muito para poder aperfeiçoar essa mão de obra para chegar numa qualidade que seja bem aceitável. A pessoa vai olhar uma peça produzida e dizer: 'eu não acredito que isso foi feito dentro de uma unidade carcerária ou muito menos por pessoas apenadas'. Esses internos que trabalham conosco na marcenaria, e passaram por essa formação, elevaram o nível deles de uma marcenaria artesanal já ao nível profissional.”, comenta Althieres.

Trabalho, qualificação e sonhos de uma nova vida através da marcenaria

As oportunidades de qualificação profissional garantidas pela Seap aos seus custodiados trazem resultados positivos na vida de muitos internos. Além de aprenderem uma nova profissão, garantem, além da formação, perspectivas de um futuro promissor, deixando a criminalidade e buscando novos rumos de uma vida futura no pós-cárcere.

“A maioria quando entra aqui não sabia nada. Tinha uma profissão diferente ou não tinha profissão nenhuma. A profissão deles era o crime. Então, outros substituíram essa profissão do crime pela profissão de marcenaria. Alguns se tornaram marceneiros dentro do cárcere e levam isso para a sua vida lá fora, influenciando em vários fatores na sua vida, como na autoestima, até na própria restauração do seu caráter, uma perspectiva nova de vida”, acredita Althieres Sousa.

Essa oportunidade de mudança foi o que levou Cláudio Ferreira Far, de 49 anos, a abraçar a marcenaria como um novo caminho. Custodiado na UCR do Coqueiro há cerca de quatro anos, ele foi levado para trabalhar como eletricista na oficina de marcenaria. Ele lembra que Althieres já era o gerente, mas com olhar clínico, não o viu como eletricista. Pouco tempo depois, foi selecionado para trabalhar na parte do artesanato, onde trabalhava com fabricação de miniaturas, fazendo pequenos estaleiros para barcos. 

Já habituado à nova atividade, Cláudio novamente foi chamado pelo gerente, que perguntou se ele sabia trabalhar no torno. Ao responder que não, Althieres sentenciou: “Vai aprender agora!”. “O nosso torneiro estava saindo, felizmente já era a condicional, o aberto dele. E aí eu fui, feliz da vida, vou aprender uma nova profissão, vou ser torneiro”, lembra Cláudio. 

Tempos depois foi preciso alguém com habilidade de desenhar, um entalhador de madeira, de pintura. Cláudio já era desenhista e pôde aplicar seu conhecimento na própria oficina. “Diga-se de passagem, eu consigo corresponder às expectativas com pintura, com entalho e passei a ser o marceneiro na parte de artesanato. Faço tábua de cortar-carne, penteadeiras, faço molduras, faço também desenho, caricatura, paisagismo, o que for preciso nas partes dos desenhos e miniaturas. E é a parte em que me encontro hoje, atualmente, trabalhando aqui nessa unidade, na parte de artesanato, mas sempre que é preciso, devido à nossa capacitação aqui, aprendemos todos os ofícios. Trabalhar com a madeira, trabalhar com o MDF e no artesanato também”, conta o interno.

Cláudio se diz grato pela oportunidade que teve e vê de forma positiva a experiência de ter abraçado a marcenaria como a bússola que o guiou para uma nova vida. “Isso é muito bom, e a gente, na condição de recolhidos da justiça, a gente se sente agraciado, amparado e tem orgulho de estar contribuindo pelo nosso próprio futuro, porque não adianta ter todo esse amparado legal, técnico, o suporte que a direção dá, que os policiais penais nos dão. Eu só vou ter uma vida melhor se eu quiser. Ninguém vai me impor, precisa partir de mim. Eu tenho que querer”, assegura.

Regicleison Maciel da Costa chegou sem experiência profissional alguma até ter oportunidade de participar de um curso em 2022, o curso de marcenaria. “Eu pude me certificar e aprender um pouco mais além daquilo que já era ensinado aqui na área de produção. O que me motiva é essa oportunidade de estar conhecendo cada vez mais sobre móveis planejados, que é a área em que me identifico bastante. Gosto de cálculo, de matemática, gosto dessa métrica, uso da trena, do corte com mais precisão, da montagem. E isso é muito importante para que os móveis saiam com bastante qualidade aqui”, revela o interno.

A rotina na marcenaria é bem interessante, garante Regicleison. As atividades são de segunda à sexta-feira, com extensão às vezes aos sábados. “Nós já temos conhecimento daquilo que nós vamos fazer a cada dia. A demanda é repassada com antecedência, a fim de que possamos cumprir os prazos que são estabelecidos. Um dos agentes motivadores de estar trabalhando aqui na marcenaria, além de estar aprendendo a cada dia alguma coisa nova, é ocupar o tempo com uma atividade. Dizem que a mente ociosa realmente não é muito favorável para o ser. Então gosto de estar criando as coisas, de estar fazendo parte da criação, do desenvolvimento, da conclusão”. 

Sobre o futuro, Cláudio conta que muitas pessoas perguntam se ele pretende usar o conhecimento que adquiriu na marcenaria quando estiver lá fora. “Eu digo que sim. Não tem como eu deixar de lado aquilo que eu aprendi, com todos que passaram por aqui, com os meus gestores, os servidores que passaram por aqui. Não tem como eu não fazer uso do conhecimento lá fora. Eu pretendo usar sim, não somente como hobby, mas como profissão”, concluiu.

Tetxo: Márcio Sousa