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Professoras quebram a barreira do preconceito no ensino superior

Por Redação - Agência PA (SECOM)
08/03/2017 00h00

Mais da metade da população brasileira é do gênero feminino. Apesar disso, a representatividade das mulheres docentes no Ensino Superior é pequena. Principalmente entre os cursos de Exatas, ainda com enorme dominância masculina – ainda há um longo caminho a ser percorrido. Utilizando a educação como uma poderosa arma, estas mulheres lutam diariamente contra preconceitos enraizados na sociedade.

Até a metade do século XX, as mulheres ainda eram vistas como impróprias para a carreira científica. Professoras, sim, mas apenas da educação infantil. “A noção de que a mulher tem mais afinidade com atividades essencialmente intuitivas, consideradas mais simples, enquanto os homens seriam biologicamente preparados para tarefas mais difíceis e da grande complexidade persiste claramente até hoje. Por isso, observamos essa segregação nos cursos de Exatas”, pontua a pedagoga Aryana Menezes, que desenvolveu uma pesquisa sobre a atuação das professoras do curso de Matemática da Universidade do Estado do Pará (Uepa).

A jovem percebeu a necessidade de mais estudos sobre o tema quando, no papel de professora em um projeto de ensino de matemática com crianças, ouviu de um menino de 12 anos que “não aceitava ordens de mulheres”.  “A partir desse momento, passei a me questionar sobre o que as mulheres sofriam por ingressar em um campo considerado masculino. Se eu, que estudo pedagogia, um curso intitulado como feminino, passei por esse momento de preconceito e discriminação, imagine as que optam por exercer a Matemática”, relembra.

Em julho de 2016, o curso elegeu sua primeira coordenadora desde sua fundação, há quase 30 anos. A professora doutora Acylena Costa já assumiu botando ordem na casa. “Fizemos uma faxina, reorganizamos a sala e as pessoas me diziam que tinha que ser uma mulher mesmo para reordenar aquele espaço”, comenta entre risos.

Influenciada pelo pai, professor de Física e Matemática, Acylena também enfrentou o preconceito. “Acho que quando cheguei à pós-graduação, a coisa piorou. Não há acusações diretas, mas com o tempo você aprende a diferenciar o que é uma pergunta de alguém que precise de uma resposta e o que é uma pergunta de alguém que quer testar seus conhecimentos. Eles são bem incisivos. Acontece muito”, conta.

Após a conclusão do seu doutorado em Educação Matemática, ela encontrou resistência de muitas faculdades à sua contratação. “E não foi velado. Disseram na minha acara que eu não era o que eles estavam buscando. Talvez o fato de eu ser bem jovem também atrapalhasse”, relembra. Hoje, ela vê um panorama mais aberto do que quando entrou em Exatas. Ainda assim, conversa com suas alunas sobre a postura em sala de aula. “Oriento elas sobre como lidar com determinadas situações. E as encorajo também. A Matemática é uma área muito estimulante”, diz.

Minorias

E se a mulher branca ainda luta pelo seu espaço na academia, para as mulheres negras, os desafios são multiplicados. A presença negra feminina na docência ainda é bem pequena nas universidades brasileiras. A situação chamou a atenção da mestranda da Uepa Thaís Mendonça, que conduziu uma pesquisa intitulada “Saíram da cozinha, mas não para cair no samba: A história de como mulheres negras perceberam que seu lugar é na sala de aula”, na qual entrevistou diversas professoras negras para traçar um cenário dos desafios enfrentados por elas.

A influência para a pesquisa veio de dentro de casa. “Minha mãe e minha avó são negras e são professoras. Eu cresci dentro desta realidade, mas percebi que muita gente não via as mulheres negras nessa posição de poder, que é a de professora universitária ou de pós-graduação”, diz.

A vontade de Thaís em trabalhar na conscientização ajudou a compreender as raízes da discriminação de gênero. ”Os estudiosos acreditavam na ideia de que a mulher era um ser inferior, submisso, ao mesmo tempo em que tinha um forte apelo sexual, possuindo uma postura libidinosa capaz de corromper os homens. Esse pensamento gerou um condicionamento cultural presente até os dias de hoje. Sujeitos são formados com essa noção de discriminação e diferenciação altamente fixada em seu pensamento e este, por sua vez, é facilmente tido como natural”, avalia.

Para a mulher negra, o estigma ainda se estende à sua cor. A professora doutora Creusa Santos ainda lembra quando ingressou na universidade. “Quando entrei, o processo seletivo era extremamente difícil, quem não podia se dedicar com exclusividade aos estudos tinha muito trabalho para entrar. Isso contribuía para a exclusão das mulheres, em especial as negras e pobres”, explica a docente. O preconceito dos colegas de turma se traduzia num sentimento de pena. “Sempre fui olhada de forma diferente. Uma mulher negra da periferia chamava atenção na universidade no início dos anos 90”, diz.

Para ela, a graduação foi libertadora. “Passei a me compreender como diferente em um contexto acadêmico branco e masculino. Todos os meus professores eram homens. Mas, ao mesmo tempo, aprendi a me potencializar e incorporar meus direitos”, conta. Hoje, a professora dá aulas para a graduação na Uepa e ainda tem cadeira na Coordenação Estadual de Educação para a Promoção da Igualdade Racial (Copir), da Secretaria de Estado de Educação (Seduc). “Penso que sou uma influência positiva para as alunas negras da rede pública estadual”, conclui.

Mudanças

O que o discurso de todas as entrevistadas tem em comum é a persistência. “A melhor forma de quebrar os preconceitos. O caminho não é fácil e pode ser bem desestimulante, mas se a mulher acreditar que ela é sim capaz de promover a mudança, mesmo que lenta e gradual, ela vai achar forças para seguir. Foi o que absorvi de todas as entrevistas”, relata Aryana.

As entrevistas com docentes formadas em períodos diferentes revela a evolução. A entrevistada mais velha, formada nos anos 70, não teve nenhuma professora mulher, enquanto que as graduadas nos anos 90 tiveram duas professoras durante sua formação. Atualmente, o curso de Matemática da Uepa tem 12 docentes homens e cinco docentes mulheres.

Pesquisar e saber sobre a área escolhida é o principal conselho de Acylena. “Saber sobre o curso, sobre o mercado de trabalho e os desafios impostos vai ajudar a deixar essa mulher consciente do que vem pela frente. É muito gratificante fazer o que realmente gosta, então, é preciso ter certeza e seguir firme”, orienta.

Tanto para Creusa quanto para Thaís, as mudanças já são visíveis. “Desde o final do século XX, as mulheres negras iniciaram um movimento de tomada de consciência. Hoje, a mulher negra que entra na faculdade não é igual àquela da minha época. Ela já chega muito mais empoderada”, avalia a professora.

A resiliência é uma qualidade que a mulher que busca a carreira na academia deve ter, na opinião de Thaís. “A educação é ferramenta de mudança, mas a resistência virá. Os obstáculos também. Seguir esse caminho requer muita perseverança e equilíbrio. Náo é fácil, mas é muito gratificante”, conclui a mestranda.