Leitura auxilia na recuperação de jovens em conflito com a lei
Abrir um livro por curiosidade, pela vontade de descobrir coisas novas. Conhecer a história de lugares e pessoas. Buscar respostas para aqueles questionamentos que insistem em roubar o sossego da mente. Se reconhecer nas palavras de pessoas que nunca vimos, mas que nos despertam uma afinidade que só temos com aqueles amigos mais caros, e encontrar nessas palavras o conforto que muitas vezes nem mesmo eles conseguem nos dar. Tudo isso nasce da relação com os livros, principais aliados de Manoel (nome fictício), 18 anos, um dos internos do Centro de Internação Jovem Adulto (Cijam), gerido pela Fundação de Atendimento Socioeducativo do Pará (Fasepa).
Entre o dormitório e a sala de aula, os livros se tornaram o principal aliado para ele e para outros internos, que encontram neles a força para vencer o isolamento, a saudade da família e a falta de perspectiva que a juventude somada aos conflitos individuais e familiares acarreta.
A leitura é parte do processo de educação e inclusão de 64 jovens entre 18 e 21 anos que cumprem medidas socioeducativas na instituição. Lá eles concluem o Ensino Fundamental e Médio em etapas, com o auxílio de professores cedidos pela Secretaria de Estado de Educação (Seduc). Agora o incentivo será ainda maior graças à implantação de uma biblioteca no Cijam em parceria com a Imprensa oficial do Estado do Pará (Ioepa), por meio do projeto Livro Solidário.
Manoel é um dos mais ansiosos para usufruir do novo espaço. A sala de 2,5m x 4m é pequena e simples, mas, guarda infindas possibilidades para quem, como ele, quer expandir os limites da mente.
“Além dos relatos de superação de outras pessoas, eu comecei a ler muito sobre plantas, animais, história, e assim fui aprendendo cada vez mais. Para mim a biblioteca só vem ajudar porque eu pretendo ler tudo o que estiver por lá. Agora comecei a escrever a minha história em um caderno. Espero um dia também fazer um livro para ajudar outras pessoas, assim como aconteceu comigo”, conta Manoel, enquanto sonha com o futuro.
Esta é a segunda internação do jovem, que relata um passado cheio de percalços, pontuado pelo vício em drogas e pelo envolvimento com roubos. “Nessa época eu não pensava na vida, não tinha medo da morte, nem conseguia ver o futuro. Se eu morresse, pensava, seria até um alívio para a dor que o abandono me trazia”. Ele chegou ao Cijam com um quadro de grave de depressão. Tentou se matar mais de uma vez e se automutilava com frequência.
“Quando a gente tá com a cabeça assim não costuma pensar em nada. Se morrer ‘morreu’. Mas eu sinto que estou mudando. Eu comecei lendo livros baseados em histórias reais, de gente que conseguiu se livrar do vício. Pessoas que tiveram vidas muito piores do que a minha e mudaram a sua história. Isso me inspirou a mudar e a querer ajudar outras pessoas que passaram pelo mesmo que eu passei”, diz Manoel.
Depois do atendimento psicopedagógico, o rapaz redescobriu a vontade de estudar, ler e aprender sobre coisas que gostava desde criança. Saber “como funcionam as coisas do mundo” é o que o motiva a ler sobre os fenômenos naturais, plantas, animais e ciências em geral.Mas Manoel revela um gosto particular por tudo o que envolve a agricultura.
Aprendizado
O incentivo dos internos à leitura já faz parte da rotina da instituição desde antes da instalação da biblioteca, quando quatro professores da Seduc implantaram o projeto “Viagem para Liberdade”. Agora essas atividades serão reforçadas pelo novo espaço de leitura, que atenderá aos 64 internos.
“O projeto inicial era desenvolvido em sala de aula, num trabalho feito em parceria com os professores, envolvendo a produção de poemas, textos e leituras. A biblioteca foi uma ideia do nosso gestor, Simão Bastos, que durante a reforma solicitou um espaço dedicado à leitura. Nesse sentido, a Imprensa Oficial foi nossa grande parceria, cedendo os livros e as estantes. A partir daí nós construímos este espaço com o apoio dos próprios jovens, desde a montagem até a decoração e pintura”, destaca a gestora do Cijam, Catarina Jordana Braz Carvalho.
A maioria dos jovens não possui o ensino fundamental completo e muitos chegam com deficiências na leitura, na escrita e na interpretação de texto. As aulas ajudam a melhorar estas habilidades e também à conclusão das fases até o segundo grau. Grande parte dos alunos está na chamada primeira etapa, que compreende a 5ª e 6ª série. Neste contexto a prática de leitura acelera o aprendizado e a própria condução do processo de ressocialização.
“A gente vem percebendo a mudança desses jovens a partir do contato da leitura. Ele aprende a criar, enriquece o vocabulário e conhece outros mundos. A leitura é fundamental para qualquer um, mas aqui isso ganha um significado ainda maior, porque faz renascer dentro deles a esperança e, pela primeira vez, a expectativa de um futuro melhor. A biblioteca é um instrumento a mais neste processo, um espaço onde eles poderão ficar a vontade para crescerem e se descobrirem como cidadãos”, detalha Thays Souza, pedagoga do Cijam.
A última descoberta de Manoel foi a agronomia. Depois de saber o que significava essa atividade, a ideia de se aprofundar no assunto lhe pareceu bastante atraente, a ponto de fazê-lo até pensar em se tornar um pesquisador da área. Trabalhar com plantas e escrever são, segundo ele, as duas coisas que mais lhe dão prazer. No meio da conversa ele recebe a notícia de que foi aprovado para a próxima etapa pedagógica e agora fará o módulo referente às 7ª e 8ª séries.
“Passei? Que bacana! Estou feliz, sabe? Eu penso em ir longe, ser quem sabe um professor, um médico ou juiz. Posso ajudar um jovem que precise de apoio tanto quanto eu precisei. Hoje eu consigo entender melhor quando alguém me fala pra ‘pensar no futuro’. Isso só me inspira a me dedicar cada vez mais. Quem sabe um dia as pessoas não verão contada nas páginas de um livro a história da minha vida ou alguma coisa muito importante que eu tenha feito e que venha a transformar a vida de outras pessoas?”, divaga.