Projeto PM Zito transforma vida de jovens em situação de risco em Salinas
Brigas, desobediência em casa e contato com o mundo da criminalidade. Assim a estudante Ana Vitória, 11 anos, moradora do bairro Guarani 2, em Salinópolis, nordeste do Pará, levava a vida. Ou era levada. Rebelde, ela começou a mudar de comportamento e olhar de mundo depois que entrou para o projeto PM Zito, iniciativa da 1ª Companhia Independente da Polícia Militar, que atende jovens em situação de vulnerabilidade social para lhes mostrar os caminhos da cidadania.
Cerca de 200 jovens, de diversas comunidades de Salinas, fazem parte do projeto, que surgiu a partir de uma ideia do major PM Josimar Leão durante as rondas na cidade. “Comecei a ver que muitas crianças estavam expostas a situações de risco e ao mundo da criminalidade. Foi quando reuni um grupo de policiais para ver de que maneira poderíamos trazer a comunidade para mais perto do quartel. O que começou de maneira tímida hoje movimenta a cidade. Temos fila de gente que quer participar”, conta.
E não é exagero do policial militar. No sábado, 6, enquanto acompanhávamos mais uma atividade dos “PM Zitos”, foi possível ver o engajamento da moçada na ação. Bem cedo, por volta das 7h, cerca de 100 jovens estavam alinhados e prontos para encarar uma intensa atividade física na Orla do Maçarico, região turística de um dos balneários mais procurados do Estado. Entre gritos de guerra e palavras de incentivo – e levando as bandeiras do Brasil, do Pará e da PM –, eles marchavam. O local, que em julho geralmente fica tomado de carros, veranistas e ambulantes, estava repleto de pais e mães orgulhosos.
Uma delas era a dona de casa Simone Monteiro, 44 anos. Moradora da Invasão dos Bodes – área com grande incidência de tráfico de drogas –, ela diz que, depois de entrar para o projeto, o filho, Marco Antônio Monteiro, 13, vem se tornando um adolescente mais responsável e estudioso. Se antes ele não ligava para a escola, agora chega em casa e vai logo contando o que aprendeu. “Graças ao projeto, meu filho conversa mais comigo. Ele aborda assuntos que nunca achei que fosse abordar, como sexualidade e bullying. Estou muito feliz e agradecida a essa iniciativa da PM”, disse.
A força de vontade para tirar crianças da rua vem rendendo frutos em Salinas desde 2015, quando o projeto começou. O cabo PM Mário Júnior, integrante do Grupamento Tático Operacional e um dos coordenadores do trabalho, conta que o legado do bem deixado na vida dos jovens é um dos maiores ganhos. No fim da atividade no Maçarico, ele motivou os jovens com mensagens de estímulo. “Valorizem sempre a família. Se vocês se esforçaram hoje aqui, saibam que isso não é nada perto do trabalho que seus pais têm para lhes dar o que comer e o que vestir”, dizia.
O ensinamento é rapidamente assimilado e muda o clima em casa. Ana Vitória, aluna do sétimo ano, que vivia discutindo com a mãe, reconhece que, graças ao PM Zito, passou a viver com paz. “Eu era muito respondona. Sempre confrontava a minha mãe. Não queria saber de estudar. Quando entrei para o projeto, bem a contragosto, é verdade, não imaginava o quanto ele me ajudaria a ser uma jovem melhor”, constata a menina, que hoje é auxiliar, o segundo cargo na hierarquia do grupo, abaixo apenas do monitor.
Interdisciplinar
O PM Zito conta com uma equipe de dez profissionais. São policiais militares que têm formações diferenciadas para atuar em diversas frentes. Educador físico, pedagoga e professor de matemática enriquecem o trabalho, que conta ainda com a participação de um membro da Polícia Rodoviária Estadual (PRE), que ajuda na educação de trânsito. O projeto está interligado ao Programa de Educação e Resistência às Drogas (Proerd), que a Polícia Militar executa em todo o Estado.
Além das atividades físicas nos fins de semana – como o treinamento Pré-Selva realizado no sábado –, os jovens frequentam o quartel da PM em Salinas, toda segunda, quarta e sexta-feira. Eles assistem a palestras sobre temas diversos, como gravidez na adolescência, direitos humanos e proteção social, e alguns também frequentam aulas de jiu-jítsu. As atividades ocorrem sempre no contraturno, pois a frequência escolar é obrigatória.
Os jovens também participam de campanhas educativas e das ações de segurança deflagradas em Salinas durante feriados prolongados e as férias de julho. “Eles ajudam, por exemplo, no trabalho feito pelos agentes de educação de trânsito do Departamento de Trânsito do Estado (Detran). É uma maneira de inseri-los em ações de atendimento à população e contribuir com o trabalho das instituições”, explica o major Josimar.
“Para ser um PM Zito a única exigência é estar na escola. Damos no projeto a mesma filosofia usada no quartel, com destaque para disciplina, ordem e educação. Contamos muito com o apoio da comunidade. Os próprios pais e responsáveis, por exemplo, se encarregam dos lanches servidos ao final das atividades. As camisetas, recebemos como doação, e os uniformes são fruto das rifas que fazemos. Acreditamos na ação, por isso nos engajamos assim”, reforça o cabo Mário Júnior, lembrando que o trabalho também mostra o engajamento social da PM. “Não atuamos apenas na repressão. Temos o importante papel de agentes públicos que ajudam a transformar da realidade social dos mais necessitados”.
Esse esforço é reconhecido entre os adolescentes. O monitor Everton Souza, 16 anos, está tão engajado que já sonha com a carreira militar. “Ser um PM Zito é tudo para mim. O projeto abriu meus olhos e me deu um estímulo para viver como cidadão do bem”, frisa. Para a aluna Ingrid Silva, 16, este é o caminho que muitos jovens procuram e, às vezes, não acham. “Nós nos tornamos, a cada dia, pessoas mais conscientes e que valorizam as conquistas do dia a dia. Estamos blindados contra as más influências. Depois de cada atividade voltamos para casa renovados”.
Para o cabo Mário Júnior, ouvir esses depoimentos é a certeza de estar no caminho certo – o mesmo que ele quer apontar para os jovens. “Mostramos a vocês que é possível viver bem, seguir uma vida com paz e respeito ao outro, mas os passos vocês é que vão dar. Pensem nisso”, diz ele no encerramento da atividade física para o grupo que não arreda pé da orla, sob o sol escaldante que anuncia a chegada da alta temporada em Salinas.