Gerações do vôlei se encontram e dão exemplos de superação no Mangueirinho
Era uma tarde de calor como qualquer outra no fim de maio. O calor era intenso, sob o sol forte que prenunciava a chegada do verão na Amazônia. Chegamos por volta das três da tarde à Escola Estadual Temístocles de Araújo, na Marambaia, em Belém, onde as alunas que fazem parte da seleção de vôlei faziam um treino de rotina. Na quadra de esportes a concentração era total. As meninas trocavam bolas, pulavam, ensaiavam jogadas. Era para ser mais um dia entre tantos, mas aquele seria especial.
Cerca de 15 das 30 atletas do time que aperfeiçoavam o entrosamento – para fazer bonito nos Jogos Estudantis do Pará (JEPs) – foram, de repente, chamadas pelo técnico Cleberson Menezes. “Gente, atenção aqui! Vamos nos arrumar. Vocês vão fazer um jogo treino com os alunos do Pro Paz. Corram que saímos em dez minutos”, anunciou o treinador. Foi um corre-corre, procura de mochilas, telefonemas para pedir autorização da mãe. Ufa!
O destino, na verdade, era o Mangueirinho, como é carinhosamente chamada a Arena Guilherme Paraense. O espaço seria, no dia seguinte, palco do amistoso da seleção feminina de vôlei do Brasil contra a República Dominicana, partida preparatória para a temporada 2017 do grupo comandado pelo vitorioso José Roberto Guimarães. As meninas da Escola Temístocles de Araújo sabiam disso. Elas só não imaginavam que, nessa tarde calorenta, ficariam cara a cara com as craques brasileiras. Um encontro que renderia muita emoção, conselhos e, claro, selfies.
Da Marambaia ao Mangueirinho, uma cortada. As alunas da rede estadual chegaram ao ginásio animadas. Nunca tinham entrado na arena, uma das mais modernas do Brasil. A atleta Laise Reis, 15 anos, ficou boquiaberta com a estrutura, mesmo gesto que as jogadoras titulares da seleção de vôlei – entre elas a campeã olímpica Natália – repetiriam minutos depois. “Jogo vôlei há três anos. Estava sedentária, acima do peso, com problemas de saúde. Posso dizer que o esporte me salvou. Hoje não sei como seria minha vida sem ele”, disse a adolescente.
Saltos, sonhos e inspiração
Nicole Ramos, 16 anos, estava sentindo o momento. A menina de riso fácil e espalmadas certeiras não continha a empolgação. “Nunca imaginei que teria a oportunidade de pisar nessa quadra. É de padrão internacional. Venho de origem muito humilde, mas tenho o sonho de alçar voos altos no vôlei. Esse esporte é a minha vida. Sem dúvida, hoje dou um salto importante na minha trajetória”, atestava, diante do olhar atento do técnico. Cleberson, aliás, era só orgulho. E emoção. “Para essas meninas que vêm de realidades muito difíceis, estar hoje aqui é uma conquista em si”, afirmou, sem segurar o choro.
As jogadoras da seleção brasileira, já na nova escalação, anunciada pelo técnico José Roberto Guimarães para esta temporada, entraram discretamente no Mangueirinho. As alunas da Temístocles de Araújo trocavam passes. Em segundos, foram percebendo as presenças ilustres que apareciam. Logo muitas estavam levando as mãos ao rosto, tomadas pela emoção. Começaram então os abraços, cumprimentos e olhares de admiração. Mútuos, nesse caso. Tanto as atletas profissionais quanto as estudantes se olhavam com olhos marejados. Duas gerações que, no fundo, se refletem. Histórias de vida que se cruzam e fazem o vôlei brasileiro ser referência mundial.
“Foi uma surpresa muito grande para nós. Sabíamos que iríamos encontrar estudantes de uma escola pública, mas não tínhamos ideia que seriam essas meninas lindas, cheias de vontade de vencer, que têm sonhos e lutam contra as adversidades para realizá-los. Elas com certeza nos inspiram. Mostram que estamos no caminho certo”, disse a central Adenizia. Ao lado dela, a líbero Leia abraçava as alunas da rede estadual. “Esse é o nosso legado enquanto atletas. Saber que inspiramos tantas jovens no Brasil nos faz querer fazer sempre o melhor”, completou.
Prata da casa, a paraense Naiana Rios, 22 anos, falava com a voz embargada. A levantadora convocada para a seleção, e que atualmente joga no Camponesa, de Minas Gerais, viu naquele encontro a si mesma, quando era uma aspirante. “Estou extremamente emocionada ao ver como o esporte é capaz de dar esperança às pessoas. Com certeza esse é o estímulo que faltava para iniciarmos essa temporada”. Enquanto ela falava, as meninas faziam fila e interrompiam a entrevista para fazer fotos. Para a líbero Leia, que puxou a roda de bate-papo com as atletas paraenses, o maior conselho é também o mais simples e clichê: para vencer, é preciso seguir com esforço e muita dedicação.
Multicampeão, o técnico José Roberto Guimarães assistiu a tudo com a sabedoria dos mestres. Olhando para o alto e exaltando a beleza da capital paraense, ele elogiou a estrutura do Mangueirinho. “Não imaginava que exista um ginásio dessa qualidade aqui. Esse investimento sem dúvida fomenta o esporte. O trabalho que desenvolvemos em nome do Brasil reverbera nesse espaço”, declarou o treinador da seleção brasileira. Em minutos, o grupo faria o treino oficial antes do amistoso.
As meninas da escola da Marambaia foram se despedindo das atletas. O ginásio começou a receber entusiastas que iam assistir ao treino. Jornalistas também se posicionavam para registrar o momento. Já recomposta, a sorridente Nicole abraçava Tandara, que se agigantava ao lado da menina. A troca de olhares fazia a aluna moradora da periferia de Belém sair do Mangueirinho fazendo ponto na vida. “Quem sabe um dia não estarei aqui neste mesmo lugar dando força para outras meninas como eu? O dia de hoje é a prova de que não devo desistir dos meus sonhos”. E assim ela voltou para casa. Pronta para o próximo treino na quadra da escola.
O encontro entre as duas gerações de atletas do vôlei foi registrado em vídeo, veiculado nas mídias sociais do Governo do Pará. Confira o resultado aqui: