Interno do Complexo de Santa Izabel escreve mais de 40 livros no cárcere
“Não há mudança sem educação”
Você já refletiu sobre o quanto a educação transforma vidas? Antônio Carlos Almeida, 52 anos, interno custodiado no Centro de Recuperação Penitenciário Pará II (CRPP II), localizado no Complexo Penitenciário de Santa Izabel, no interior do Estado do Pará, refletiu sobre isso. De assaltante de bancos a um apaixonado por livros, ele está preso há 13 anos e tem mais de 40 livros escritos dentro do cárcere.
Sem muitas condições, Antônio nunca gostou de estudar. Aos 16 anos completou a sexta série do ensino fundamental e largou os estudos, até que o crime o encontrou. “Em 1995 eu fui preso por um problema, e fui libertado. Voltei a ser preso em 2003 e logo saí. Mas da outra vez que eu voltei pra prisão, foi por causa de uns assaltos sérios, principalmente em bancos. Eu passei seis meses aqui e depois fui para o presídio federal do Paraná. A única coisa que tinha lá eram livros”, disse Antônio.
Depois que voltou do Paraná, seu Antônio continuou como RDD (quando o preso fica em Regime Disciplinar Diferenciado, restrito a cela individual, a visitas e saídas). Isolado, começou a escrever ainda mais, até que surgiram as turmas da Educação para Jovens e Adultos (EJA) no presídio e ele começou a estudar.
“Quando abriu as séries aqui, eu fiz. Concluí a 8° série, cursei o ensino médio, fiz o Enem, passei duas vezes e veio a faculdade. Eu me formo ano que vem em teologia. Em 2016 me levaram à Feira do Livro, onde eu apresentei alguns livros que já estavam digitados, ‘O Menino que Voava’, que é um conto infantil e ‘Pequenos Defensores da Escola’, que é relacionado aos meus filhos”, contou.
Para Antônio, escrever funciona como uma terapia ocupacional. Seu maior sonho é poder lançar uma de suas obras. Entre elas, existem 10 livros de comédia, 12 de terror, vários infantis e mais alguns de ficção. Os livros do interno são feitos de maneira artesanal, escritos a mão com caneta em cadernos brochura. Ele já conseguiu digitalizar 6 usando os computadores da unidade prisional, destinados às aulas da faculdade.
Ivanilsa Aguiar, 44 anos, é técnica pedagoga e chefe de reinserção social no CRPP I (onde o interno estava custodiado e foi transferido após a desativação da unidade). Ela acompanha a transformação de Antônio há 4 anos e não esconde a felicidade ao falar do aluno. "O seu Antônio é um grande exemplo para nós porque ele fez o fundamental, terminou o ensino médio e agora está na faculdade. Ele é um exemplo de mudança, de transformação e isso tudo se deu através da educação”, contou a pedagoga. “Eu acredito naquilo que eu faço, eu vejo um pouco do meu profissionalismo espelhado nisso. Quando a gente vê uma pessoa dessa transformada, percebe que tudo valeu a pena”, completou orgulhosa.
Conhecer os professores e coordenadores de educação foi uma honra para o interno. “Eu digo que eles foram como os meus pais no cárcere. Então é como um jogo: goleiro, zagueiro, volante. Nós jogamos juntos e chegamos onde eu cheguei”, disse Antônio. Segundo ele, o sistema garante oportunidades. “Para mim, o cárcere é bom porque nós devastamos vidas e famílias, mexemos com a estrutura econômica de um estado, na realidade a gente merecia ser isolado e ter a chave jogada fora. Mas o que é oferecido aqui é de qualidade, desde a saúde até o estudo, que muitas vezes é até melhor do que lá fora. Por exemplo, sempre tive a presença dos professores. Eu só passei no Enem porque eles não faltavam, eles estavam aqui e são os melhores. Aqui no cárcere a escola tem estrutura, mas a mudança só acontece se a gente quiser mudar”, contou o reeducando. E completa: “Foi muito bom ter sido instruído dentro do cárcere, ter mudado, estar fazendo faculdade", afirmou Antônio Carlos Almeida.
A Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado do Pará (Susipe) oferece apoio aos internos que querem mudar de vida com educação e trabalho. Através da Diretoria de Reinserção Social (DRS), alguns projetos têm feito toda a diferença na vida dos reeducandos. No total, 4.801 internos fazem parte dos projetos desenvolvidos pela Susipe, destes 3.027 estudam e 1.774 trabalham.
Conheça alguns dos projetos voltados à educação no cárcere:
Leitura que Liberta
O Projeto ‘Leitura que Liberta' é uma iniciativa da Defensoria Pública, da Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc) e da Susipe, que busca contemplar prioritariamente os reeducandos que não estão sendo beneficiados com atividades educacionais formais e laborais nas Casas Penais. Entre os benefícios do projeto, está a remição da pena - para cada obra literária lida em 30 dias, após a produção de um relatório, o detento ganha menos quatro dias de detenção.
Arca da Leitura
No projeto ‘Arca da Leitura’, uma estante móvel, com 150 livros fica sob a responsabilidade de um interno para viabilizar o acesso à leitura dentro do bloco carcerário, assim todos os detentos podem ter contato com a literatura. Cada unidade seleciona um custodiado para ocupar a função de monitor da biblioteca e esse monitor recebe um treinamento técnico em biblioteconomia para fazer atividades referentes a empréstimo, devolução, inserção dos livros no acervo de biblioteca e sobre a preservação de todo material existente. Hoje, o projeto conta com 22 monitores de biblioteca, que são supervisionados pelas coordenadoras pedagógicas de cada unidade.
O monitor movimenta a biblioteca dentro do bloco carcerário, oferecendo os livros para leitura e fazendo os empréstimos. O acervo é formado por livros de disciplinas obrigatórias e literárias, além de revistas de conteúdo informativo.
As estantes do projeto 'Arca de Leitura' são produzidas pelos detentos, em ação da Coordenadoria de Trabalho e Produção da Susipe, nas marcenarias instaladas nos próprios presídios do próprio Estado.
Por Fernanda Cavalcante, sob orientação de Vanessa Van Rooijen.