Cães policiais: eficiência movida à confiança, amor e cumplicidade
Quem vê os policiais acompanhados de cães em grandes eventos, como os jogos em estádios de futebol, não imagina a dimensão da relação que há entre eles. O serviço que prestam à população é baseado em uma relação incondicional que envolve amor, lealdade e dedicação, mas que também prevê a inevitável dor da perda daquele que é muito mais do que um parceiro de trabalho.
O sargento Natalino Siqueira trabalha no Comando Independente de Policiamento com Cães há 18 anos. No ano passado, ele resolveu adotar sua fiel companheira de serviço: Holy, uma eficiente pastor alemão fêmea. A cadela estava prestes a se aposentar depois de oito anos de trabalho, tempo máximo definido para a prestação de serviços dos cães à Polícia Militar do Pará. Quando são colocados na reserva, os animais são adotados - ou pelo policial que o treinou no quartel, ou por outro militar que se prontifique a acolhê-lo.
O sargento Natalino cuidava de Holy desde que ela chegou ao canil, com apenas oito meses. Pela primeira vez, decidiu adotar um cachorro porque não conseguia se imaginar longe de sua companheira de trabalho. Mas uma fatalidade haveria de mudar o rumo daquela que parecia ser a continuidade de mais uma história de amor entre cães e homens. A descoberta de uma metástase pulmonar fulminante na companheira de quatro patas fez com que ela precisasse ser sacrificada.
Sem nenhuma preocupação em esconder as lágrimas que teimam em quebrar a rigidez da farda, o sargento relembra o último momento com Holy. “Nesse dia, eu dei a ração para ela em minhas mãos, e enquanto isso foi passando um filme na minha cabeça. Revivi o dia em que ela chegou, pequenina e destinada a ser minha. Relembrei as tantas operações em que atuamos juntos, como um só. Enquanto isso, ela me olhava como se soubesse que ali era uma despedida. Nunca vou esquecer esse momento”, conta o sargento, enquanto olha a foto da velha companheira pelo celular.
A rotina – Fica mais fácil entender o apego dos policiais com os cachorros que integram a Companhia Independente de Policiamento com Cães quando se conhece melhor a rotina que envolve essa convivência, e que nasce de uma relação diária de cuidados e muito afeto. Assim que chega ao canil e é entregue àquele que será o seu tutor, o animal passa a ser responsabilidade exclusiva do policial. A este caberá a tarefa diária de lavar a baia onde o animal fica, levá-lo a passear, treiná-lo, alimentá-lo e dar-lhe as medicações necessárias.
A Companhia existe há 43 anos como parte do Comando de Missões Especiais (CME) Atualmente, 28 cães das raças pastor alemão, pastor belga, labrador, hottweiler e cocker spaniel integram as atividades do Canil da PM. Os cachorros são utilizados no policiamento ostensivo e preventivo, acompanhando viaturas ou policiais a pé. E também são usados em eventos esportivos, operações de reintegração de posse, demonstrações de cunho educacional e identificação de entorpecentes e explosivos.
Como reforço às ações do Comando de Policiamento da Capital (CPC), os cães ainda atuam em rondas diárias, das 17 às 23 horas, acompanhando quatro homens em uma viatura que circula pelas áreas com maior índice de criminalidade.
Sonhos realizados - Mais do que uma dupla atenta à segurança da população, policial e cachorro mantêm uma relação alimentada pela confiança. Mas chegar a esse nível de cumplicidade nem sempre é missão fácil.
O primeiro tenente Jairo Nascimento, 27 anos, atuava no policiamento de rua, mas sempre sonhou em trabalhar no Canil. Na Academia de Polícia, o seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) foi sobre o policiamento com cães. Ano passado, fez os dois últimos cursos para integrar a Companhia. Mas no meio do caminho havia um desafio chamado Apollo.
O cão da raça rottweiler já era um adulto de seis anos quando foi apresentado ao policial. De temperamento difícil, Apollo já havia mordido vários tutores, mas bastou um primeiro olhar para que Jairo decidisse assumir a missão. “Transformar o Apollo no meu melhor amigo passou a ser questão de honra a partir daquele dia. Decidi que ia conquistar a confiança daquele tipo marrento a qualquer custo. E deu certo. Hoje eu me sinto realizado. O Apollo é o símbolo de um duplo sonho realizado: o de estar aqui e ter vencido o desafio do adestramento dele”, disse.
O sonho de trabalhar no canil também era meta do major Luís Marcelo Bilóia desde quando era um civil. Durante oito anos ele cuidou de York, um pastor capa preta - como são chamados os cães dessa raça que apresentam a pelagem totalmente negra - que faleceu perto de se aposentar.
Hoje, o policial tem uma cadela da raça cocker spaniel em casa e 28 cães no canil. “Comandei algumas tropas, mas hoje eu me realizo aqui, comandando o Canil. É uma relação de troca diária, que serve como terapia para o policial militar. É prazeroso demais ver a alegria que esses cães transmitem. Mesmo os que não são cuidados diretamente pela gente, nos reconhecem”, diz o comandante.
Nessa relação tão peculiar e, muitas vezes, curta entre policial e cão, cada dia de trabalho é visto como uma preparação para o adeus. O cabo Eduardo Fernandes cuida de Irano desde filhote. Ele é um dócil pastor de sete anos e meio, o mais acionado pela companhia para apresentações junto a crianças em escolas e hospitais. “É com muita dor no coração que vou ter que me despedir dele, porque não tenho espaço para criá-lo em casa. Mas já tem outro soldado que divide o trato dele comigo, e que vai adotá-lo”. Com uma tristeza no olhar, como se compreendesse o que diz o tutor, Irano parece entender que o futuro lhes reserva a inevitável despedida. Mas até lá, segue sua missão. Fiel, nobre e feliz.